Bruno Mattei,*
Os primeiros ciclos únicos, este "obscuro objecto" dum desejo de escola democrática, está em vias de viver as suas últimas horas. O inquérito FSU-SOFRES, tornado público a 20 de Novembro, mostra o que, de resto, já se sabia: os professores na sua maioria não acreditam mais nos dois primeiros ciclos únicos e sobretudo deixaram de pensar que a escola possa reduzir as desigualdades.
Tudo está, a partir de agora, pronto para a assinatura de uma espécie de Munique educativo entre os professores, os seus sindicatos, que progressivamente deixaram de acreditar nisso, e os poderes públicos, que à esquerda largamente pensam o mesmo e ainda muito mais a própria direita.
É verdade que o chamado "colégio único" foi sobretudo durante perto de trinta anos um objecto imaginário. Todos sabem que os alunos "heterogéneos " se reencontram sempre sobre os mesmos bancos, enquanto as aprendizagens foram conduzidas segundo os programas, os métodos pedagógicos e sobretudo os mecanismos de selecção do liceu geral e das vias de "excelência republicana". Sem esquecer o trabalho de sapa que esteve sempre subjacente ao "colégio único", ao reagruparem-se os prometidos da "meritocracia" nas boas "turmas", segundo as hierarquias das fileiras e das opções.
Durante trinta anos, evitou-se colocar a única questão que se deveria impor: se se quer verdadeiramente "o colégio único" então seria necessário inventar uma nova cultura escolar. Seja uma cultura comum, em que "comum" assume um sentido que não é somente o do nível escolar ou de programa mínimo, mas primeiramente o de valores a partilhar para viver e aprender sem excluir, sem se excluir. Mas como é que se teria podido pensar nisso, quando todo o edifício escolar permanece escudado pelo mito e hoje pela impostura da igualdade de oportunidades, perfeitamente conforme, se não mesmo necessário, ao grande jogo da competição de cada um contra todos. Um jogo em que, como diz Albert Jacquard, os ganhadores são impecáveis "fabricantes de perdedores".
Em vez de trabalhar na criação de o "colégio", como aliás de toda a escola, sobre valores conformes com o espírito republicano: igualdade dos direitos (e não das oportunidades), a solidariedade, para já não falar da fraternidade, esse hieroglifo que espera sempre o seu Champoillion, finge-se. Finge-se acreditar que o "colégio único" não é suficientemente único porque lhe falta sempre e eternamente os meios, que as formações, ainda insuficientes, não estam suficientemente impregnadas da "boa" pedagogia, diferenciada, individualizada, cruzada, activa, etc..
O carnaval das hipocrisias teria podido continuar: depois de tudo, cada um podia encontrar as suas vantagens, quer de boa consciência pedagógica, quer da boa consciência política. Excepto que o preço a pagar para manter o simulacro tornou-se hoje extremamente pesado. Porque a verdadeira razão pela qual professores e sindicatos eliminam a questão é devido ao facto de que a situação nos primeiros ciclos tornou-se cada vez mais explosiva.
Charles Peguy, desde 1904, escrevia de forma profética que "se mentia muito na escola" mas que a mentira aí seria mais difícil de suportar do que em qualquer outro lado, porque, dizia ele, os jovens não estavam ainda habituadas às "sinuosidades da fraude". As violências reactivas, as incivilidades e, também, o aborrecimento quase ontológico de se estar numa escola desertada de sentido para cada vez mais alunos conduz a que estes exprimam de forma acesa as patologias das nossas mentiras colectivas.
A ausência de qualquer resposta às questões da promessa democrática conduz tão lógica como cobardemente à acção de matar o "colégio iníquo".
Alguns não renunciarão a deixar cair algumas lágrimas republicanas e de colocar uma placa sobre o lugar "simbólico" a partir de agora desertado. As crianças "heterogéneas" vão poder ser reperfiladas, para alívio dos seus mestres, em fileiras feitas para os seus "talentos" tão particulares. "O elitismo republicano", mais do que nunca é o esconde miséria da segregação social, procura continuar o seu caminho na paz reencontrada, ou pelo menos bem o imagina, mas erradamente. Mas que uns e outros se lembrem da palavra de Tácito: "eles criaram um deserto que baptizaram de paz".
*Professor de Filosofia no Instituto Universitário de Formação de Professores de Lille.
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
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