quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Sereiazinha (5) - por Hans Christian Andersen



(Continuação)


Foi presenteada com lindos vestidos de seda e de musselina. No palácio, era a mais bonita de todas, mas era muda, não podia nem cantar nem falar. Belas escravas vestidas de seda e ouro avançaram e cantaram para o príncipe e para os seus régios pais. Uma cantou melhor do que todas as outras e o príncipe bateu palmas e sorriu-lhe. A sereiazinha ficou triste, pois sabia que ela própria cantaria muito melhor! Pensou: «Oh! Bem devia saber que eu, para estar com ele, dei a minha voz, por toda a eternidade!»

Depois dançaram lindas escravas suas danças, ondulando ao som da mais bela música. Então levantou a sereiazinha os lindos braços brancos, ergueu-se nas pontas dos pés e deslizou sobre o chão, dançou, como ninguém antes dançara. Em cada movimento foi a sua beleza ainda mais visível e os olhos falaram mais profundamente ao coração do que os cantos das escravas.

Todos ficaram encantados, especialmente o príncipe que lhe chamou a sua esposazinha e ela dançou mais e mais, se bem que cada vez que os pés tocavam o chão, era como se pisasse facas afiadas. O príncipe disse que devia ficar sempre com ele e recebeu permissão de dormir fora diante da porta do seu quarto, numa almofada de veludo.

Mandou também fazer-lhe um traje de homem para que pudesse segui-lo a cavalo. Cavalgaram pelos bosques odoríferos, onde os ramos verdes lhe batiam nos ombros e os passa¬rinhos cantavam por detrás das folhas frescas. Trepou com o príncipe às altas montanhas e se bem que lhe sangrassem os pés delicados, a ponto de outros o notarem, riu disso e seguiu-o, até verem as nuvens passarem por baixo deles, corno se fossem um bando de aves voando para terras estranhas.

Em casa, no palácio do príncipe, quando de noite os outros dormiam, saía ela para a larga escadaria de mármore e aí refrescava os pés escaldantes, pondo-os na água fria do mar e pensava então naqueles lá no fundo.


Uma noite vieram as irmãs de braço dado, cantavam tristes enquanto nadavam, e ace¬nou-lhes e elas reconheceram-na e disseram-lhe como tinha deixado todos tristes. Noites segui¬das a visitaram depois, e, uma noite viu ao longe a velha avó que há muitos anos não subia à superfície do mar, e o rei do mar, com a sua coroa na cabeça, estendendo as mãos para ela. Mas não ousaram aproximar-se tanto da terra como as irmãs.

De dia para dia era mais querida para o príncipe, que gostava dela como se gosta duma criança boa e amável, mas fazê-la sua rainha nem sequer o pensava e ela sua mulher tinha de ser, senão não conseguiria obter uma alma imortal; antes viria na manhã do noivado a transfor¬mar-se em espuma do mar.


- Não gostas mais de mim de que de todas as outras? - pareciam dizer os olhos da sereia¬zinha, quando ele a tomava nos braços e lhe beijava a linda testa.

- Sim, és para mim a mais querida - disse o príncipe -, pois tens o melhor coração de todas, és a mais delicada e pareces-te com uma jovem que uma vez vi, mas que certamente não mais encontrarei. Eu estava num navio, que naufragou, as ondas levaram-me para terra junto a um templo santo, onde várias jovens prestavam serviços. A mais nova encontrou-me aí na baía e salvou-me a vida. Só a vi duas vezes, era a única que podia amar neste mundo, mas tu pareces-te com ela, quase suplantas a sua imagem na minha alma, ela pertence ao templo santo e, portanto, a minha boa sorte levou-me para ti, não vamos nunca separar-nos!... «Ai! Não sabe que lhe salvei a vida!», pensou a sereiazinha. «Trouxe-o sobre o mar para o bosque, onde está o templo, pus-me por detrás da espuma da água a ver se vinha algum ser humano. Vi a bela jovem de quem gosta mais do que de mim!» E a sereia suspirou fundo, chorar não podia. «A donzela pertence ao templo santo, disse ele, não virá nunca para o mundo, não se encontrarão mais. Estou em casa dele, vejo-o todos os dias, quero cuidar dele, amá-lo, oferecer-lhe a minha vida.»


Mas agora ia o príncipe casar-se com a bonita filha do rei vizinho, contava-se. É por isso que se aparelha tão lindamente um navio. O príncipe viaja para ver as terras do rei vizinho, diz-se, mas é para ver a filha do rei vizinho, que vai levar um grande séquito. Mas a sereiazinha abanou a cabeça e sorriu. Conhecia os pensamentos do príncipe muito melhor do que todos os outros.

- Tenho de partir em viagem! - disse ele a ela. - Tenho de ver a bela princesa, meus pais assim o querem. Mas não me obrigam a trazê-la para casa como noiva, isso não! Não posso gostar dela! Não se assemelha à bonita jovem do templo, como tu te assemelhas. Se alguma vez tenho de escolher noiva, será a ti, minha esposazinha muda de olhos falantes!

E beijou-lhe a boca rubra, brincou com o seu cabelo longo e pôs a cabeça junto ao coração dela, que assim sonhava com a felicidade humana e com uma alma imortal.

- Não tens medo do mar, minha mudazinha? - disse ele, quando já estavam no navio magnífico que deveria conduzi-lo às terras do rei vizinho. E falou-lhe de tormentas e calmias, de peixes estranhos no fundo, e do que os mergulhadores aí haviam visto. E ela sorriu com as suas descri¬ções, conhecia melhor do que ninguém o fundo do mar.

Nas noites claras de luar, quando todos dormiam, com excepção do timoneiro, que estava ao leme, sentava-se na amurada do navio a olhar para baixo na água clara e pareceu-lhe ver o palácio do pai. Sobrepondo-se a tudo estava a velha avó com a coroa de prata na cabeça que olhava através das correntes fortes para a quilha do navio. Depois vieram as irmãs ao de cima da água, olharam tristemente para ela e agitaram as mãos brancas. Acenou-lhes, sorriu e queria dizer-lhes que tudo corria bem e que era feliz, mas um moço de bordo aproximou-se e as irmãs mergulharam de tal modo que este ficou na crença de que o branco que vira era espuma do mar.

(Continua)

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