quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um conto de Natal de Anton Tchekov - No Natal

- O que é que eu escrevo? – perguntou Yegor, mergulhando a caneta na tinta.
Vasilisa não via a filha há quatro anos. A sua Yefimya tinha partido para Petersburgo depois do seu casamento, enviara-lhes duas cartas e, desde então, parecia ter desaparecido por completo das suas vidas: ninguém a vira ou tinha ouvido falar dela. E quer a velha mulher estivesse a mugir a sua vaca pela madrugada, ou a aquecer o seu fogão, ou a dormitar à noite, o seu pensamento voava apenas para uma e única coisa: o que se estaria a passar com Yefimya, se estaria viva, lá longe. Ela devia ter enviado uma carta, mas o velho pai não sabia escrever e não havia ninguém que a escrevesse.
Mas agora o Natal chegara e Vasilisa já não conseguia suportar esta situação e foi até à taberna, à procura de Yegor, o irmão da mulher do estalajadeiro que, depois de ter regressado do exército, não fazia outra coisa senão sentar-se na taberna sem mexer uma palha. As pessoas comentavam que ele sabia escrever muito bem cartas, se fosse generosamente pago. Vasilisa falou com o cozinheiro da taberna; depois, com a patroa da casa; depois, com o próprio Yegor. Chegaram ao acordo de quinze kopekes.
E agora – isto passou-se no segundo dia das férias, na cozinha da taberna – Yegor estava sentado à mesa, segurando na mão a caneta. Vasilisa estava em pé, ao seu lado, ponderando, com uma expressão de ansiedade e angústia estampada no rosto. Pyotr, o seu marido, um homem velho muito magro e zarolho, com uma mancha acastanhada em lugar do olho, acompanhava-a. Estava de pé, fixando o espaço à sua frente como um homem cego. No fogão, um pedaço de porco estava a ser refogado numa panela; esguichava sangue e silvava, e parecia estar mesmo a dizer: “Flu-flu-flu”. Sufocava.
- O que é que querem que eu escreva? – perguntou mais uma vez Yegor.
- O quê? – perguntou Vasilisa olhando para ele desconfiada – Não me confundas! Não estás a escrever por nada; não tenhas medo que vais ser pago. Vá, escreve: “Para o nosso querido genro, Andrey Hrisanfitch e para a nossa única e muito amada filha, Yefimya Petrovna, para quem nós enviamos com o nosso amor uma vénia curta e a nossa bênção paternal, que subsistirá para todo o sempre”.
- Já está! Mais.
- “E desejamos-lhes um feliz Natal; estamos vivos e de saúde, e desejo-vos o mesmo, possa o Senhor, o Rei dos Céus…” – repetiu ela começando a chorar.
Não conseguiu dizer mais nada. E, no entanto, anteriormente, quando estava deitada à noite a pensar, parecia-lhe que não ia conseguir dizer tudo o que queria nem mesmo numa dúzia de cartas. Desde o dia em que a sua filha tinha partido com o marido, muita água correra em direcção ao mar; os velhos tinham vivido as suas vidas com um sentimento de abandono a pesar-lhes e, durante a noite, soltavam suspiros profundos, como se tivessem levado a enterrar a sua filha. E quantos acontecimentos tinham desde então passado na aldeia, quantos casamentos e mortes! Quão longos os Invernos tinham sido! Quão longas as noites!
(101 Noites de Natal, uma antologia literária, 101 Noites)

A partir de Janeiro próximo, neste horário, será diariamente apresentada a rubrica "Jardim das Delícias", coordenada por Augusta Clara de Matos. A série de contos de Natal que iremos apresentando, é já por ela seleccionada.

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