segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

VerbArte - O movimento neo-realista





O movimento neo-realista. Dois centenários a comemorar em 2011. Uma proposta.


João Machado


Nos anos trinta do século passado apareceu o movimento neo-realista, uma corrente artística que muitos associaram (talvez com diferentes fundamentos) à oposição ao regime ditatorial vigente. As precárias  condições de vida em que, na época, vivia grande parte da população portuguesa, a fortíssima injustiça que sobre esta recaía,  justificavam que os artistas e intelectuais não afectos ao regime sobre elas se debruçassem, e que sentissem o dever de as mostrar nas suas obras, de modo a fazer sentir a necessidade da sua urgente transformação. Daí a forte componente política do neo-realismo, expressão usada pela primeira vez em 1935 por Álvaro Salema, em artigo publicado no semanário Gládio.

O movimento neo-realista manifestou-se através de várias das artes maiores, como a pintura, nas obras de Júlio Pomar (1926 -), Lima de Freitas (1927-1998), Avelino Cunhal (1887-1966), e de outros. É também importante recordar a obra de Manuel Ribeiro de Pavia (1907 – 1957), Cipriano Dourado (1921-1981), e de outros artistas plásticos, que não se pode deixar cair no esquecimento.

Mas a maior visibilidade para o neo-realismo adveio sem dúvida da literatura, com um trio de gigantes a começar, Soeiro Pereira Gomes (1909-1949), Alves Redol (1911-1969) e Manuel da Fonseca (1911-1993). A literatura neo-realista incluiu muitos outros nomes, dos quais se devem destacar Fernando Namora, Mário Dionísio, Augusto Abelaira e sobretudo Carlos de Oliveira. Deixou para a posteridade um retrato vivo das condições em que viviam (melhor dito, sobreviviam) as classes mais desfavorecidas em Portugal, e dos mecanismos que condicionavam a vida dos que lhes pertenciam.



Tenho a convicção de que as preocupações do neo-realismo eram partilhadas por um grande número de autores que não se aproximaram claramente do movimento. Não é verdade que Aniki Bóbó, a primeira longa metragem de Manuel de Oliveira, estreada em 1942, o nosso centenário cineasta, tem afinidades com os  Esteiros (1941),  de Soeiro Pereira Gomes? O cineasta e o escritor tiveram, claro, experiências de vida e ideais diferentes. Mas a atenção de ambos foi atraída por situações parecidas, na Ribeira do Porto, e em Alhandra. E Volfrâmio (1944), de Aquilino Ribeiro, e a Lã e a Neve (1947), de Ferreira de Castro, não estão também próximos do neo-realismo? Porque não se consideram estes dois grandes escritores como integrando o movimento? Ao fim e ao cabo até lhe eram ideologicamente afins.




Em 1911 completar-se-ão cem anos sobre os nascimentos de Alves Redol e Manuel da Fonseca. As comemorações respectivas servirão com certeza para recordar e analisar as suas vidas e obras, mas poderão também  servir de ponto de partida para uma compreensão mais dilatada da génese do movimento neo-realista, da sua ligação à sociedade portuguesa da altura. E também para analisar as influências que sobre ele incidiram, e as que deixou para a posteridade.


Proponho que em 2011 o Estrolabio e o VerbArte incluam, com particular relevo, estes temas na sua agenda.

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