domingo, 23 de maio de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 7

Carlos Leça da Veiga


Se na Constituição da Primeira República o assunto das alianças com o exterior não era versado, na da Segunda – a de agora – bom grado, por expresso, aponte aversão à inclusão do país em pactos político-militares inclusive avance com uma afirmação sobre a sua necessária desarticulação (Artigo 7º, ponto dois), apesar de tudo isso – é uma repetição intencional – Portugal, o governo português, com a integração na OTAN, não só prossegue numa prática política semelhante à do tempo do salazarismo como, para cúmulo, à semelhança dos erros da Primeira República, excede-se na subserviência ao exterior e facilita contingentes militares expedicionários tudo sob o pretexto ardiloso da defesa e da promoção da paz em estados independentes com cujos problemas internos e, em muitíssimo especial, com os de política externa nada há em comum, senão mesmo, até só haja inconvenientes demasiado sérios, por evento, politicamente irreparáveis.

É incompreensível haver-se consentido na imposição alienígena que obriga Portugal a caminhar para uma rarefacção dos relacionamentos bilaterais com quem, países, não temos qualquer litígio, tudo em favor de oferecer-se alguma ajuda à potência que no mundo, desde sempre, mais atenta contra a Paz.

Como se esta força comandada pelos EUAN – a OTAN – já não bastasse como instrumento de dominação política e militar a recair sobre Portugal, os estados continentais do centro da Europa – mais uma vez – sob pretextos de ordem vária, a económica para começar, acabaram por conseguir arregimentar um número crescente de Estados europeus cuja dominação, desde há muito, mantêm benquista, à custa da atribuição generosa de subsídios financeiros, uma particularidade muito do agrado do parasitismo dos vários possidentes dos mais variados estados.

Das Comunidades Europeias Económicas para a União Europeia, prosseguiu-se a marcha dum sonho político milenar protagonizado, sucessivamente, ao longo dos tempos, pelo ancestral Império de Roma, pela Igreja Romana, por Napoleão, pelo Kaiser germânico e, por último, pelo nazismo do III Reich. Depois do final da Segunda Grande Guerra, os estados francês e germânico, reconhecida a incapacidade de cada qual, só por si conseguir fazer vingar os seus eternos propósitos – os EUAN, não lho permitiriam – encontraram aquilo que têm imaginado ser uma boa solução para o ressurgimento duma sua nova preponderância internacional com a edificação da União Europeia – uma nova potência mundial – mantida sob o seu comando real, que não o aparente – até que um deles consiga diminuir o outro – e, afinal, o passo preliminar fundamental para a criação dum estado europeu suposto, por fantasia, ignorância e ambição imperialista, como a entidade capaz de ter força bastante para enfrentar o poderio tanto dos EUAN como, também, de cada um e de todos os estados economicamente “emergentes”, por desígnio o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul (BRICAS).


Na autenticidade das coisas tudo está a passar-se muito à semelhança de quanto, séculos atrás, em modalidades de rapina diferentes mas não menos condenáveis, foi feito a partir de Castela para inventar o estado espanhol, da Inglaterra para produzir o reino unido, da pequena França dos Francos (sempre à custa da espada, dizia De Gaulle) para o estado francês, da Prússia para o estado alemão, do Piemonte para o estado italiano e do modesto Grão-Ducado da Moscóvia, tal como era no século XV, para o apogeu, no décimo nono, da Rússia imperial, depois URSS ou, como agora, Federação Russa.

O pecado da dependência nacional portuguesa, no mais essencial, manda dever dizer-se que se uma ligação de submissão político-económica a qualquer ou a quaisquer estados – por exemplo, à União Europeia (UE) – só obscurece o futuro nacional, uma ligação de obediência político-militar – por exemplo, à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – da mesma maneira, nada de bom augura.

Como é manifesto, sob pretextos dum reforço do equilíbrio ou da harmonização do desenvolvimento sustentável do espaço europeu (dito doutro modo e como deve ser, dos interesses políticos e económicos franco-germânicos) em boa verdade, nessa União Europeia nada mais é pretendido fazer que não seja colocar Portugal – à semelhança de quanto acontece com outros estados – como um seu comprador líquido e sistemático mas, também, sujeitar Portugal a ter de facilitar-lhe domínio da sua especialíssima posição estratégica de estado marítimo, por exacto, aquela que advém da fachada atlântica portuguesa e do seu imenso espaço marítimo, uma particularidade ímpar, extremamente valiosa, capaz de proporcionar, indevidamente, aos continentais do centro europeu um retorno estratégico muito promitente, porém, completamente indevido. Com esta ajuda suplementar tão preciosa – mas não só – a União Europeia (quem nela manda) pode abalançar-se, com uma muito maior facilidade, a tentar conseguir o reforço da sua posição estratégica face aos EUAN e à Rússia como, também, à construção da sua sonhada oposição – e da sua tradicional sobranceria euro centrista – face aos poderios reais de ordem vária, assentes e em crescendo, como é um seu direito inteiramente legítimo, nos outros vários Continentes. Portugal que não tem animosidade para com quaisquer desses Estados, com cujos interesses estratégicos os Estados do centro europeu entendem – mas mal – dever competir, senão mesmo conflituar, terá de concluir pela existência duma vontade determinada, por parte dos hegemónicos da União Europeia, de quererem ver Portugal envolvido em atritos completamente alheios ao pulsar do seu percurso histórico e dos seus interesses estratégicos mais verdadeiros.

Se da União Europeia, ao contrário do propalado, o futuro, na continuidade duma crise económica sem fim possível, nada de bom trará, da OTAN só pode dizer-se ser obrigatório eliminá-la porquanto já basta de envolvimento em agressões contrárias ao direito internacional e à Paz mundial. Para poder dar-se o maior crédito ao que deve dizer-se da OTAN terá de chamar-se à colação as afirmações peremptórias do Professor Doutor Vitorino Magalhães Godinho, que em Novembro de 2007, declarou ao «Jornal de Negócios», “É costume em política adoptar palavras adocicadas para evitar interpretações pouco convenientes, mas eu acho que é preciso dizer que a NATO tem de desaparecer ……..” .

A OTAN, esta herança do salazarismo de má memória, para Portugal, desde o 25 de Abril, já não tem razão para perdurar e se isso ainda acontece é por, de facto, não haver uma Democracia digna desse nome que, entre outras deficiências, aceita a submissão a outros estados. O regime constitucional português, para infelicidade nacional, caminha sob a aceitação, pelos sucessivos governos portugueses, dum envolvimento em procedimentos de política internacional só classificáveis como delituosos e, sobretudo, como um erro estratégico irrecuperável. Com efeito, mercê de tal erro, Portugal está obrigado a demonstrar-se contra a evolução política e económica mundial cuja força decisória está centrada, cada vez mais, fora da Europa; é um erro que, no futuro, terá de pagar-se.

É preciso saber aceitar, como a História está a mostrar, que chegou a vez de outros Estados não europeus ascenderem, no plano internacional, a um protagonismo privilegiado e, como assim, nas circunstâncias actuais, compete aos europeus, com tacto político e dignidade, terem o bom senso e a coragem meritória de abandonarem a proverbial pesporrência comportamental do seu eurocentrismo inconsequente, já completamente desacreditado, senão deslocado e saberem administrar uma retirada para novas posições compatíveis com quanto de admirável, único no concerto das civilizações, ao longo dos séculos, foi conquistado pelos e para os seus patrimónios filosóficos, humanísticos, artísticos, científicos, técnicos, sociais e políticos que, estes sim – isso é inquestionável – não podem perder-se por serem ímpares e irrecusáveis, tanto na sua própria grandeza como no seu vastíssimo contributo civilizacional para toda a Humanidade.

Na realidade, à Europa, de sobremaneira à ocidental, ficam a dever-se as tais “maravilhas completamente diferentes das pirâmides egípcias, dos aquedutos romanos e das catedrais góticas” como assim Karl Marx, deixou expresso no seu «Manifesto Comunista» a quando da exaltação dos constantes sucessos económicos da burguesia europeia.

Portugal tem obrigação de lutar pela defesa intransigente dessas riquezas patrimoniais, quanto mais não seja, por não poder esquecer-se, nem deixar que outros esqueçam, a sua contribuição preciosíssima para o inicio da era Moderna em que foi determinante o mérito inovador e altamente diferenciado da ciência náutica dos portugueses que, afinal, pelo seu saber, inovação científica e determinação política, terem podido consubstanciar o autentico pioneirismo da globalização com que, de facto – isso é irrecusável – deram ao mundo, novos mundos.


(Continua)

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