segunda-feira, 21 de junho de 2010

Galiza e Portugal – duas nações, uma só língua

Carlos Loures

Como anunciámos no Dia das Letras Galegas, neste ano do Centenário do nascimento do professor Ricardo Carvalho Calero, publicaremos uma série de textos, quer sobre a vida e obra do professor, quer sobre a unidade linguística constituída pelo galego-português, unidade que séculos de aculturação não conseguiram destruir.

Esta viagem de circum-navegação em torno do idioma, levar-nos-á a falar de outros mestres, como Carolina de Michaëlis, José Leite de Vasconcelos, Manuel Rodrigues Lapa, Lindley Cintra… Iniciamos essa viagem, que durará uma boa meia-dúzia de textos com uma breve resenha histórica para situarmos esta questão nas suas principais etapas cronológicas.

Integrada no estado espanhol, a nação galega não pertence de jure ao espaço da lusofonia que abrange Portugal e algumas das suas ex-colónias onde o idioma português permaneceu como língua oficial. Entre os séculos IX e XV, a língua falada nos territórios da antiga província romana da Gallaecia, posteriormente dividida em condados e depois em duas nações, era uma variante neolatina – o galego-português (ou galaico-português). A poesia lírica produzida nesta região era escrita neste idioma que não só era utilizado pelos naturais, como, ultrapassando as suas fronteiras, chegava a Leão e Castela – as “Cantigas de Santa Maria”, obra do rei Afonso X, o Sábio, foram escritas em galego-português. No século XII ocorreu a separação de Portugal da coroa leonesa.

A Galiza gozava também de alguma independência relativamente à gula castelhano-leonesa que se ia agudizando. Porém, no século XIV, a intervenção galega a favor de Pedro I de Castela contra Henrique Trastâmara, provocou, após a vitória deste último, o exílio de numerosos galegos em Portugal. Posteriormente, ao tomar posição por Joana, a Beltraneja contra Isabel I de Castela, a Galiza viu as suas instituições nacionais desmanteladas e a sua aristocracia novamente perseguida. De perda em perda, assinale-se que em 1601 o país era representado nas Cortes de Castela pela cidade leonesa de Zamora. Em suma: a Galiza deixara de existir, já não só enquanto estado, mas desaparecia também como nação.

No século XIX verificou-se um renascer do sentimento patriótico do povo galego. Foi nessa «revolução» político-literária que se inseriu a obra de Rosalía de Castro e de outros insignes escritores – talvez seja mesmo mais correcto afirmar que o galeguismo foi um produto do esforço desses intelectuais. Entre o século XV e os anos de Oitocentos, o idioma, nomeadamente a sua fonética, fora sendo invadido por castelhanismos. Foram os chamados «Anos Escuros». Com Rosalía e os seus Cantares Gallegos o farol do amor e do orgulho pátrios reacendeu-se – foi o «Rexurdimento». No século XX, o franquismo (embora Franco fosse galego) suprimiu todas as veleidades – a língua do Estado passou a ser o «espanhol» (deixando de se dizer «castelhano»). Por decisão política e à revelia da ciência linguística, o galego passou de idioma à categoria de dialecto rural.

Uma questão que se coloca desde há muito tempo - se português e galego são duas línguas diferentes ou duas formas dialectais da mesma língua? Carolina de Michaëlis respondeu afirmativamente e foi da opinião de que oi verdadeiro nome do idioma seria galego-português. Os reputados filólogos portugueses Lindley Cintra e Manuel Rodrigues Lapa, são da mesma opinião. Na Galiza, as pessoas dividem-se entre «reintegracionistas» - os que preconizam a reintegração do galego no português-padrão - e numa outra corrente, os «antiintegracionistas» ou «isolacionistas», que defendem uma via autónoma, ligada à fala popular e distanciada do português de Portugal. O que, implicitamente, agrada mais a Madrid. Na realidade essa «fala popular» é um galego que há séculos é filtrado através do castelhano. Está tão invadido por castelhanismos que facilmente permite ser classificado como um dialecto do castelhano. Nas próximas crónicas darei voz aos que nos garantem que o galego e o português são duas formas de falar a mesma língua. Entre essas vozes, destaca-se a do nosso homenageado, o Professor Ricardo Carvalho Calero.

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