Raúl Iturra
C- Anabela
Hoje é professora primária em Cinfães, Viseu. Em pequena estudou nos textos pós 25 de Abril. Novos ainda. Nos seus 35 anos de hoje, casada e mãe, aos seis começou ir a escola local de Vila Ruiva, com uma professora de Mangualde, Dona Isilda, até que no seu quarto ano de primária, o Professor Messias foi o seu mestre. Os pais longe, na Alemanha, eram a avô Conceição Vidigueira que tomava conta da sua pessoa e dos seus estudos. Esses que continuou no ciclo preparatório desses anos, na Vila de Nelas, no ano 83, vila onde fez os seus estudos secundários entre os anos 84 e 92. Levou mais um ano do que é habitual, devido a que tinha, como já sabemos, que tomar conta do trabalho do café do pai, do café da família. Durante o dia.
Sempre estava sentada em uma mesa do café a fazer os seus trabalhos, entre serviço e serviço a clientes que o que queriam, era serem despachados. Clientes que não entendiam de estudos. Só do seu trabalho e presa era que entendiam. Como o seu próprio pai, esse que estudou até a Quarta classe, e a sua mãe, até a Terceira. Porque tinham que trabalhar. Como tenho dito já em outro texto (1990 b)), casa que não tem experiência com livros, é casa que não respeita os ditos livros. Nem o seu valor. Mais do que uma vez, o pai disse que era possível ir em frente, sem tanto estudo. Porque o estudo matava a cabeça. Eis que os seus filhos tiveram que construir sós a sua academia, até serem professora ela e gestor, ele. A pequena podia estudar em quanto nova, porque não tinha mais obrigações do que ajudar a avô em casa. Carácter afável, calmo, sereno, ia transitando pela vida em uma altura que a vida era conturbada fora da aldeia. Até um certo ponto. Porque, a queda do regime ditatorial, muitos dos que em Vila Ruiva tinham sido os seus apoiantes, ficaram postos de parte pela maioria republicana que aí morava. Anabela não entendia nada de isto, não havia quem for capaz de explicar. E quando pai e mãe voltaram, o seu tempo fora do País tinha-os colocado também fora do dia a dia da política nacional. Vilaruiva tinha estratos, como foi já referido, estratos em mudança. E entre as mudanças, aconteceu a da um povo subordinado a um governo unipessoal, para um ou vários governos, multipessoais. A nova democracia. Uma democracia que teve que ser disputada entre grupos políticos, individualidades, ideologias, civis e militares. Um debate sem vingança, sem presos nem desaparecidos, nem outro conflito no nível local, que não fosse o debate de pontos de vista quentes, entre pessoas amigas e parentes, por anos. Vilaruiva tem a característica de correlacionar no convívio, a seres da Monarquia, das primeiras repúblicas, da ditadura, e das varias orientações a seguir a Revolução dos Cravos.
Mas Vilaruiva, por cima de todo, era um local de ideias e comportamentos católicos, comandados pelo corpo católico do magistério, os novos ricos que, da ruralidade pobre, tinham aparecido. Esses filhos de jornaleiros, que não aceitavam o seu saber, bem como a sua riqueza derivada do ensino e do ordenado em dinheiro, para um sitio onde nada deviam pagar para consumir. O magistério atingido no meio dos seus, dá uma hierarquia quase que equivalente a um título aristocrata. Pelo respeito que inspira a possibilidade de sair da pobreza para ser elevado ao trabalho pago pelo Estado. É essa a escola de Anabela, a arrogância de uma professora do lugar, ao pé da serenidade do professor de Anabela, que nunca teve uma palavra a mais e era forte apoiante dos filhos dos emigrantes. Esses, para imitar Caroline Brettel (1988) e transpô-la de cravo a piano, órfãos de pais vivos e activos. Mas, faltos do seu carinho. Até o ponto que, durante os 14 anos de ausência dos progenitores, Anabela desenvolveu uma epilepsia que fez retornar à mãe a correr.
Uma epilepsia que era apenas a tristeza da falta do que todos pareciam ter, pais em casa. Preocupada por essa ausência, os seus estudos eram lentos, embora bem qualificados. E muito disciplinados, pelo horário do transporte escolar que levava á criançada á Vila de Nelas. Uma melhoria conquistada pelos vizinhos após Abril. Porque até essa data, era a pé que se andava. E por andarem a pé, era que muitos não continuaram os seus estudos. Como vários dos colegas de turma de Anabela, que dedicaram o seu tempo e habilidades, a trabalhos mais sedentários.
É o que eu tenho denominado o fracasso escolar. Porque o fracasso não é apenas o não saber na turma, é escolher outros caminhos não académicos. E, embora a União Europeia está a tentar fazer de Portugal um país letrado e a obrigar de que a Licenciatura seja parte da escolaridade, anos deveram passar antes que a criançada adulta seja também licenciada. Como na Grã-bretanha, na Alemanha, outros Países da Europa do Norte, onde ser licenciado não é ser doutor como em Portugal, é apenas ser mais um cidadão preparado para trabalhar em escritórios, bancos, outros sítios. Uma época larga deverá passar, como na Galiza, para viver a mudança do comportamento intelectual. Anabela é testemunha de como o Portugal rural tem sido fonte de trabalho, depois da dura libertação demorada das enfiteuses e da lenta morte da aristocracia e da inexistência da burguesia, que só agora começa a ser formada, pelas pessoas que, do campo, viviam. Os colegas de Anabela, o Paulo Ferreira, a Ana Maria Figueiredo, a Isabel Fernandes, o António Roque, outros, são todos operários ou domésticas. Só Anabela escolheu o caminho que era possível em novas condições. Também há a velha Vila Ruiva, mas a velha só, nada se altera ainda, para o interior do País, todo é como no Chile, acontece em Lisboa ou Porto. A província, é província, sem dinheiro nem vida intelectual, nem intelectuais de nota que queiram lá viver, visitar, ir falar. Anabela sabe, e empurra para continuar no sítio, como a igualitária cidadã que, no seu trabalho, sabe. Mas que, na sua aldeia, é a filha do Sr. Lopes e da Dona Fernanda. É assim que amam, à forma dita antes. Com a diferença de que há mais dinheiro para organizar um lar e mais caminho aberto a empresa individual e privada. Anabela sabe que vivemos em um país pobre e de que os proprietários do capital, estão a desenvolver e não a educar ao povo. Que é o que Anabela faz. Como Victoria faz, e Pilar não precisa faze-lo: uma lei apoderou -se da Galiza, lei que a todo minuto virá a ser imposta em Portugal: dividir o País por regiões produtivas. Como na Espanha é, como na França e a Holanda deixou de ser. País onde há políticas agraria e não um correr para se salvar quem puder. O quem amigos tiver. Amigos que são os que Anabela tem, mas no sentido de transferência afectiva, de terem crescido juntos. Porque, para além de lar e escola, há toda uma vida pública que as pessoas fazem. E essa vida pública de Anabela, é de simpatia e amizade. E de ritual. Tanto é assim que casa em 2008, com Miguel Abrantes de Mangualde, tem uma filha, Maria.
A aldeia toda está dividida entre o que é a vida social e política, que acaba por condicionar as suas vidas pessoais. Há o acreditar político, que é diferenciado, mas há também o acreditar da fé e a prática do ritual. E Anabela pratica esse ritual, não só nos domingos, quando vai a Missa com sua avó materna, Conceição Vidigueira, bem como na festa anual da aldeia, a 15 de Agosto. Participa na preparação dos andores e em levar algum deles, ajudar especialmente no da padroeira, um andor pesado. Porque o ritual, como diz Van Gennep (1909), Godelier (1982) e Levi-Strauss (1962b ) e Paulo Raposo (1998 ) e eu próprio (1992 ), não é só a passagem de um estado social a outro, é também a exibição do pessoal com que a aldeia conta, da sua força, das possibilidades de troca, de festejar em conjunto o grupo, de se alimentar calmamente um dia, de solicitar tudo aquilo que não é possível as pessoas fazerem. É o drama do povo, como diz Raposo (1998), no sentido de teatralizar a vida. Como o dito dia da Páscoa e a bênção da casa, quando cada lar gosta de mostrar o alimento que tem e a comida que gasta, e os parentes que visitam a casa. Quando se mostra a mobília, a riqueza, o bem que se sabe preparar alimentos. Rituais nos quais participa Anabela como membro do grupo. Muito da sua infância ela empregou em andar nos rituais públicos, quer porque a sua avó materna é crente, quer porque era a maneira de dar alguma liberdade ao seu espírito abatido pela ausência da mãe, á qual estava habituada a ter sempre com ela. Sem ser mais do que um membro do grupo que pratica o cristianismo como todo membro da cultura ocidental, sem ter pretensões de ser católica. Alias, tem um claro pensamento sobre os católicos: filha de enfiteutas, da terra de outros na sua aldeia, e da Igreja principalmente, que hasta 1853 foi proprietária de muita extensão, acaba por lhe parecer que a fé católica é dos que, enquanto são ricos, exploram aos outros, o trabalho dos outros. Como os proprietários grandes que ainda ficam em Vila Ruiva. Diferente é o caso de pessoas como a sua avó materna, que medita, pensa, fica serena pelo facto de ter fé. São muitos anos de pensamento cristão ritual, o que lhe permite ser calma e bondosa. Como tanto membro da sua geração. E não ter que recorrer a alternativas diferentes a ela própria para decidir. Anabela vê três tipos de católicos em esta antiga aldeia: os ricos que exploram e são fieis devotos de padres, os pobres enriquecidos que cumprem o ritual de forma rígida e fazem homilias ao resto para parecer ricos antigos, e os católicos calmos como os da sua família, que estão a pensar em eles próprios e no seu interior, enquanto andam nos ritos, sem pedir favor especial a santo nenhum. A opção, Anabela sabe pelo pai, pela mãe, pela família, é nossa, é pessoal, é a pratica da inteligência que aprende os valores que a pessoa pode apreciar e escolher. Donde, o ritual maior, é a calma consigo própria e com as pessoas com as quais interage. Vila Ruiva tem guardado esse tipo de afirmação. E, embora os mais velhos se sintam a envelhecer porque o mundo está a mudar, o que está a mudar é o abandono do trabalho das terras, não o trabalho em outros sítios. Anabela é, na medida de que faz como a maior parte dos membros jovens da sua geração: trabalhar fora por um salário e comer do que trabalha em épocas específicas do ano. Alan Macfarlane tem razão (1986): camponeses já não há. Houve. Ao mudar a relação com a terra, mudou a interacção e a relação consigo próprio, como afirmo eu próprio ao ler este dados. E depois de ter estudado o ritual durante muitos anos. Como Anabela. Que é assim e assim é que cresce. E ensina. E pratica o processo educativo com a calma e segurança, que essa maturidade dá. Como Victoria e Pilar, Anabela produto da sua cultura e da sua memória social contextualizada pelo tempo, é. E é assim que ama, como os seus ancestrais. Em diferente tempo do saber cronológico, que a história nos fornece.
Victoria, Pilar, Anabela, em procura de opções de amar, em diferentes partes do mundo, amáveis, sábias, calmas, a reinar a partis do conceito emotivo do amor. Três amigas, de longa datam, que têm colaborado comigo em todos os livros escritos e publicados sobre suas histórias de vida….
segunda-feira, 21 de junho de 2010
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