sexta-feira, 18 de junho de 2010

A independência da Galiza e a restituição de Olivença (resposta de Carlos Loures a Carlos Leça da Veiga)

Carlos Leça da Veiga, querido amigo:

Hoje tentarei não escrever muito – a última coisa que quero é dar-te cabo da cabeça.

Antes de mais, no que se refere a Olivença, acordo total – território roubado deve ser restituído. A opinião maioritária dos oliventinos é a que for e têm todo o direito de escolher a nacionalidade que preferirem. Mas nasceram em Portugal. Isso não é discutível nem depende dos resultados de eventuais consultas.

No que se refere à Galiza e às outras nações peninsulares oprimidas, que fique bem claro que compartilho o teu desejo de as ver a todas livres de ocupações e de aculturações – a Galiza, o País Basco e a Catalunha (ou os Países Catalães). Penso é que a independência de cada povo tem de ser obra desse povo e que isso obriga, muitas vezes a sacrifícios inauditos. Quando os amigos catalães nos dizem que lhes devemos a independência (por ter sido, em 1640, a Guerra dels Segadors que desviou tropas castelhanas e que desguarnecendo a Portugal, nos permitiu libertar-nos), lembro-lhes que a Guerra da Restauração durou 28 anos. Todos os varões em condições de pegar em armas foram mobilizados, desde crianças com 16 anos até velhos com 70; o bronze dos sinos das igrejas fundido para fabricar canhões. Uma débil economia, canalizada quase inteiramente para o esforço de guerra… Não foi, como dizemos hoje, «pêra doce».


Voltando à pacífica Galiza, recorro à história do escoteiro que obrigou a velhinha a atravessar a estrada, pois ao fim da jornada tinha de ter praticado uma boa acção. Por isso, digo que os galegos é que têm de decidir se querem ou não ser independentes. Podemos ter a nossa opinião e emiti-la, não podemos decidir por eles nem devemos qualificar como alienação a posição dos que, querendo uma autonomia cultural, preferem ficar integrados no estado espanhol. Há argumentos, nomeadamente de natureza económica. Podemos discordar, mas isso não nos dá o direito de os julgar. Por aquilo que sei das três nações oprimidas de que falei, há galegos, bascos e catalães que anseiam pela independência e outros a quem a autonomia concedida por Madrid satisfaz. Não se trata do nosso desejo, nem de cumprir as nossas utopias. Trata-se da vontade de milhões de pessoas e do direito que têm de decidir do seu destino colectivo. Não os podemos ajudar a atravessar a estrada se não o quiserem fazer.

Onde discordo frontalmente de ti é na questão andaluza. A Andaluzia não tem mais razões para ser independente do que o Algarve (tem menos, porque o Algarve, como sabes, foi mesmo depois das Ordenações Manuelinas, um reino autónomo) A reivindicação da independência da Andaluzia cheira-me mesmo a manobra de Madrid. Por inconsistente, põe em cheque as reivindicações de independência das verdadeiras nações subjugadas. Permite aos centralistas ridicularizar anseios de libertação fundados na existência de culturas tão respeitáveis como a castelhana e que durante séculos têm sido castelhanizadas, com o desprezo que os ocupantes sempre demonstram relativamente aos que subjugam.

Por outro lado, como disse na carta anterior, um crime não se resolve com outro crime – desmembrar totalmente o estado espanhol, seria criminoso. Repito-te, Espanha existe, há milhões de pessoas que se consideram espanholas. Foi uma utopia há quinhentos anos, hoje é uma realidade. Pretender contrariar essa realidade é levar a nossa utopia longe demais.

Não podemos querer remediar tudo o que actualmente resulta de injustiças do passado. Remediando o passado, se isso fosse possível, não restaria nenhuma nação com os limites territoriais que hoje existem. A construção dos estados é sempre uma obra de violência. O argumento do que existia antes, nem sempre colhe.

Imagina tu que há fundamentalistas islâmicos que entendem que a sua pátria ancestral é a Península Ibérica, particularmente o Al-Andalus. Como só chegaram no século VIII, pergunto: e os que já cá estavam ? Se pudessem, faziam-nos aquilo que os judeus fizeram aos palestinianos – em nome da História, daquilo que diz um livro, enxotaram das suas terras os seus legítimos donos. Não tem sentido – nem na Palestina nem no Al-Andalus.

Indo por este caminho, nunca mais paramos. Por isso, para mim, a Andaluzia é uma região de Espanha. Isto até obter novos dados. Por exemplo - a maioria dos andaluzes, o que pensará? Ou não te interessa saber?

Olha, para mim, esse é o dado fundamental.

Recebe um forte abraço do

Carlos Loures

3 comentários:

  1. Eu sou galego e quero a independencia. Ora bem, nao ha independencia politica sem independecia cultural. Nao gostaria de sermos como a Irlanda, livres falantes de ingles e o gaelico a morrer.

    ResponderEliminar
  2. Não gostariam de se (re)unirem a Portugal ? Uma união acima de tudo cultural, porque podiam funcionar como região autónoma. Que pensarão os galegos disto ?

    ResponderEliminar
  3. Dois pormenores apenas, O Algarve nunca foi um Reino autónomo, apenas teve esse nome,para dar mais importância e mais títulos ao Rei de Portugal, mas em termos de governação foi sempre em união com o resto do território. A Andaluzia, deriva do Reino de granada, o ultimo a ser conquistado pelos Reis Católicos na unificação Espanhola, têm uma cultura diferente e própria e até um dialecto do castelhano muitas vezes incompreensível para os restantes castelhanofonos. No entanto concordo, se querem a independência que lutem por ela e já agora, a Galiza nunca quis ser independente, preferiu entrar em guerra com Portugal do que o apoiar contra Leão e só por esse motivo é que Galiza e Portugal não são um único país.

    ResponderEliminar