terça-feira, 29 de junho de 2010

Manuel Rodrigues Lapa e a Galiza (1)

Carlos Loures

Nas comemorações do centenário do nascimento de Ricardo Carvalho Calero, não podia deixar de recordar um dos seus amigos portugueses – Manuel Rodrigues Lapa, um dos homens que, do lado de cá da fronteira mais se empenhou na reabilitação do galego e na sua reintegração no tronco comum do galego-português. Em Agosto de 1932 fez a sua primeira viagem à Galiza para participar numa homenagem a Castelão. Foi um marco importante da vida de Rodrigues Lapa, pois o seu amor por aquela nação irmã, acompanhá-lo-ia para sempre. Em Junho de 1981, fez uma última viagem à «sua» Galiza. Foi a Santiago de Compostela para participar no lançamento de um livro de Carvalho Calero - Problemas da Língua Galega. A ligação ao berço do idioma, foi uma constante na sua vida: «Nunca deixei de me ocupar da Galiza, que é para mim um vício e uma necessidade»., disse. A Galiza foi uma das maiores paixões da sua vida. Façamos, pois, uma síntese da sua biografia e dessas relações com os irmãos do Norte.

Manuel Rodrigues Lapa, nasceu em 22 de Abril de 1897 na Anadia, no extremo Sul do antigo reino da Galiza. Em 1919 licenciou-se em Filologia Românica e em 1929 entrou no corpo docente da Faculdade de Letras de Lisboa como assistente, indicado por José Leite de Vasconcelos. Bolseiro em Paris (1929-1930), doutorou-se com a dissertação Das origens da poesia lírica em Portugal na Idade Média. Em 15 de Fevereiro de 1933, proferiu no Salão da Ilustração Portuguesa, uma conferência que daria brado e iria marcar para sempre a sua vida – A política do idioma e as Universidades. O texto da palestra foi publicado na Seara Nova. Para entender a celeuma provocada, é preciso que nos situemos historicamente.


Como uma cobra que despisse a pele, a Ditadura Nacional ia dando lugar ao Estado Novo. Em Março, conciliando as diversas correntes de opinião coexistentes no seio da Ditadura, realizou-se um plebiscito para aprovar a Constituição da República. Com «vitória» neste plebiscito, onde a liberdade de expressão e de voto estiveram ausentes, ficou consolidado o edifício jurídico-institucional que, com uma ou outra mudança de pormenor, iria vigorar por mais de quatro décadas. Por isso, as críticas de Manuel não passaram em claro – foi afastado da docência universitária e – vitória da sabujice – o Conselho Escolar aprovou por unanimidade uma censura às suas palavras. Porém, nem tudo era cinzento – a juventude reagiu: 74 alunos prestaram-lhe homenagem junto de sua casa. No Ministério da Instrução Pública, os jovens entregaram um protesto pelo afastamento «do insigne medievalista que é o Prof. Rodrigues Lapa». Nove alunos foram suspensos.

Salazar continuava a montar o seu sistema. Em Agosto foi criada a Polícia de Vigilância do Estado, PVDE,  antecessora directa da PIDE. No mês seguinte, surgiu outro importante instrumento do regime – o Secretariado de Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro. Porém, apesar de o clima repressivo se ir adensando, Manuel não desarmou e repetiu a sua polémica conferência na Associação dos Artistas, em Coimbra. Em Outubro, voltou a dar aulas num liceu, desta vez no de Viseu. No mês seguinte, prestou provas para professor auxiliar (com o Livro de Falcoaria de Pero Menino), sendo aprovado por unanimidade. Em Dezembro, saiu no Diário do Governo, o decreto da sua nomeação. No dia 30 recomeçou a leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, de onde fora irradiado meses antes.

Em 1934 foi editada uma das suas mais emblemáticas obras – Lições de Literatura Portuguesa: época medieval – com dez edições até 1981.. A sua actividade como publicista prosseguiu – recensões, ensaios, iam sendo publicados em jornais e revistas de Portugal e do estrangeiro. As coisas pareciam tomar um ritmo normal. Porém, Salazar estava atento e desencadeou uma das primeiras grandes purgas – Em Maio de 1935, demitiu compulsivamente Rodrigues Lapa, impedindo-o (por decreto-lei) de aceder a qualquer cargo público. Na mesma altura outros 32 funcionários civis e militares foram demitidos, entre eles, Norton de Matos, Abel Salazar, Carvalhão Duarte. A carreira universitária de Manuel em Portugal chegara ao fim.

Na Universidade, Hernâni Cidade defendeu Rodrigues Lapa, lamentando a «perda de uma colaboração utilíssima». Em Outubro, voltou ao ensino, leccionando agora no Colégio Ulissiponense, em Lisboa. No mês seguinte começou a dirigir o semanário cultural O Diabo, substituindo Ferreira de Castro. Em Julho de 1936, eclodia a Guerra Civil de Espanha, facto a que Rodrigues Lapa não poderia ser alheio. Vejamos este vídeo:



Em Fevereiro de 1937 iniciou a publicação da colecção Clássicos Sá da Costa. Dirigiu também a colecção de Textos Literários da Seara Nova. Em Julho, Salazar escapou de um atentado à bomba, levado a cabo por anarquistas. Em consequência desse atentado e também devido à Guerra Civil espanhola, a repressão acentuou-se. Porém, Manuel prosseguiu a sua tarefa de ensaísta, em prol da língua portuguesa e dos direitos de cidadania. Em 1939, traduziu e apresentou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Em 1941, Manuel continuou dirigindo as colecções da Sá da Costa e da Seara Nova. Em Janeiro, morreu o seu mestre José Leite de Vasconcelos e, em Abril, Salazar proferiu o famoso discurso Todos não somos demais para continuar Portugal. Em Maio, foi a vez de falecer Raul Proença. Em 1945 publicou na Seara Nova a sua obra de maior êxito editorial – Estilística da Língua Portuguesa (até 1984 foram publicadas oito edições em Portugal e três no Brasil). Em 1949: o general Norton de Matos candidatou-se pela Oposição democrática às eleições para a presidência da República. Manuel, numa entrevista ao Diário de Lisboa, não teve papas na língua - «É chegada a oportunidade de acabar, sem sobressalto, com este estado de coisas, que nos envergonha como europeus»: referindo-se, obviamente, à ditadura salazarista. No dia seguinte foi preso em sua casa. Esteve sete dias detido no Aljube «ouvindo bimbalhar os sinos da Sé de Lisboa e vendo as pombas revoar livremente no céu azul.» Passados dias foi solto, mediante caução – a ficha da PIDE diz que foi preso «por atentar contra o brio e decoro nacionais e injúrias ao Governo da Nação» - Manuel não se atemorizou – em O Estado de São Paulo publicou uma série de seis artigos sob o título genérico de Em prol da democracia.

(Continua)

Sem comentários:

Enviar um comentário