quarta-feira, 2 de junho de 2010

O Discurso

António Sales



Há gente intensamente faladora, de tudo e de nada formam assunto de conversa e assim sustentam o tempo com eles e com os outros. Fui a antítese do palavreado de algibeira sobretudo porque a minha natureza era mais de ouvir que falar. Quero dizer, desde novo apresentei um sujeito sisudo o que nem sempre facilitava em termos de simpatia.

Quando coloco esta situação distancio-me do significado intelectual das conversas. Não é preciso falarmos de filosofia, política, economia, ambiente ou saúde para produzirmos uma conversa interessante. Também o futebol, automóveis, gajas, gajos, vestidos, sapatos e namoros são temas para aliviar o pesadelo dos dias. Contudo, é bom não esquecer que um grupo não exclui o outro porque ambos são necessários para a higiene da mente.

As coisas têm, todavia, piorado. No primeiro grupo os temas tornaram-se repetitivos e de uma confrangedora incapacidade de renovação e comunicação com as pessoas. Perdidos os ideais que vinham do século passado parece que ficámos à toa numa espécie de vazio temático de uma nova filosofia política para o futuro capaz de agregar uma parte do pensamento colectivo para o século XXI. Deste modo, o segundo grupo tornou-se elemento “intelectual” por excelência, cativando as massas, nivelando a mediocridade do pensamento, liberalizando a asneira, recorrendo à frivolidade mesquinha mas tão querida que substituí a critica racional pela fofoca pessoal.

Este estado “conspirativo” da matéria não é apenas português. Com a globalização foi se espalhando pelo mundo como o HIV, mas sem tratamento nem vacinas, passando a um estado de pandemia que vai estendendo os seus tentáculos sobre os diversos povos, amolecendo, com o bem-estar, o sistema imunitário dos aborígenes.

Dado o nosso convívio de séculos com a desgraça e a ignorância, não desejamos outra coisa se não sermos dirigidos por cérebros cujo grande desígnio nacional será conseguir um trivial nível de vida de modo a garantir uma reforma suficiente para podermos, na velhice, jogar às cartas no jardim da terra.

À medida que o tempo se consome sinto-me com menos pachorra para prestar atenção a dislates normalmente folclóricos e aflitivamente banais. Não avaidade que toma conta da minha consciência mas a fadiga de ouvir repetidamente o mesmo palavreado discursivo que afirma o que não executa e executa o que não afirma. Estou farto, sobretudo, da conversa política em que o tritão canta a ópera e as sereias fazem coro para atrair os peixinhos. A ópera é sempre a mesma e eu encontro-me exaurido para conversas de barbeiros e cabeleireiras.

Prefiro olhar o que me rodeia com um palito entre os dentes. Observar os outros neste imenso palco onde nos cruzamos a interpretar papéis geralmente obscenos. Quieto, percebo melhor os caprichos do tempo que vai substituindo ideais pelo novo egoísmo neo-liberal. A idade vai-me roubando o futuro mas a falta de um forte sentimento colectivo para esta Nação também ajuda pelo que das duas não sei qual a mais dolorosa.

1 comentário:

  1. É isso mesmo, António Augusto, quando se atinge a nossa idade e se suportou décadas de vulgaridade discursiva, a paciência falta. Tanto mais que o conteúdo é pobre, como sempre foi, e a forma piorou - todas essas banalidades políticas, futebolísticas, são agora ditas (e escritas) num telenovês confrangedor. Por toda a parte ouço críticas ao Governo (de uma forma geral, justificadas).Vêm as eleições e a esmagadora maioria dos cidadãos vota no partido que andou cinco anos a acusar de todas as felonias ou no outro partido que, mal chega ao poder, consegue o prodígio de governar pior do que o antecessor. Como dizes, não é um mal exclusivamente nacional - é uma pandemia. Mas o que se há-de fazer, António? Essa escumalha neo-liberal que governa o mundo, conseguiu converter a democracia em alavanca para remover o espíirito democrático. Liberdade?Igualdade? Fraternidade? Está bem, está.

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