sexta-feira, 25 de junho de 2010

Ontem e hoje: o crescimento das crianças (1)



Raúl Iturra

O que é uma criança? É todo ser que cresce entre o nascimento e a puberdade Já estava definida e, outros textos meus, com as citações que academia manda um intelectual fazer. Quer no meu O saber das crianças (1996), quer no meu Imaginário das crianças (1997), tive especial cuidado de dedicar ideias para delimitar o campo da pesquisa. Que tinha já sido definido no meu A construção social do insucesso escolar (1990), esse esgotado livro que tanto é procurado. Como em outros textos. Gostava acrescentar á minha tradicional definição, de que todo ser humano é criança em certos aspectos das suas relações, em quanto é adulto em outras. E ao contrario. Porque há campos do comportamento que sabemos, e campos da interacção no qual estamos menos desenvolvidos. Percebe-se de que um adulto é um ser crescido em corpo e em idade, capaz de reproduzir. E com as suas emoções bem definidas e detalhadas e orientadas. E com as suas opções entre alternativas, bem informadas. E com o seu comando sobre si próprio e o mundo da interacção, bem serenamente autoritário, firme.

Com os processos reprodutivos amadurecidos e dominados. E com a serenidade de ter definido os seus objectivos na vida. Medos, tristezas, fobias, são com o adulto e com as crianças, com diferenças. Com o adulto, é a definição traçada do seu deambular pela vida, como uma racionalidade a orientar as suas emoções, com as crianças, apenas as sua emoções. Porque é de pensamentos e sentimentos que o ser humano está feito. O adulto é a pessoa que não tem dúvidas, embora tenha hesitações. Sabe as várias formas de enfrentar a vida. Como um deles costumava dizer, quando há um problema, é para ser resolvido. E, no entanto, ficam os vinte e um mil detalhes em que um adulto não consegue um comportamento socialmente definido como sério, sábio, orientador. Há os vinte e um mil detalhes, onde o adulto tem medo, tem insegurança, tem por objectivo o que a sociedade define e não o seu próprio pensamento, pensa. Sem querer entrar nos detalhes do famoso livro A cultura e os seus descontentamentos (1930) nem nos detalhes do outro famoso livro Totem e tabu (1913), ambas obras de um génio como Sigmund Freud, podemos entender pela vida quotidiana, de que há factos de que muito mal nos fazem.

De que esse mal, como os bens éticos, mudam no transcorrer da existência, nos ciclos de vida. O próprio discípulo querido de Freud, Karl Jung, era denominado pai por Freud quando desmaiava ou deprimia. Como conta Didier Anzier (1959), das afectividades infantis do Freud adulto. O como Beethoven, incapaz de amar uma mulher, como diz Maynard Solomon (1977) e inventa á amada imortal à Schiller, na sua Oda á alegria (1785). Ou Durkheim, que morre pelo ostracismo que, em vida, faz-lhe a sua própria pátria. Bem como pela morte do seu filho André - esses detalhes dos famosos que não conhecemos, por pensar em eles como heróis mitológicos. Nós, os não heróis, mal sabemos tomar conta de nós, sós, é-nos difícil o silêncio e a meditação, o sentir e pensar antes de fazer. O ficar isolados se nos separar da pessoa amada, com a incapacidade de recriar um eu suficiente para trocar depois, ou com o nosso prazer, ou com pessoas distantes da nossa intimidade. A zanga e a zaragata, quando nem todo anda como planeado por nos, ou desejado por nos. Não são só os países latinos que fazem barulho nos desencontros. Isso é o etnocentrismo lançado sobre nós. É a persistência da construção de uma relação duradoura, continuada, dentro do contexto do ser de quem amamos e nos ama, que faltaria em nos se não existir. Como falta em nos a calma para a correcção disciplinar dos mais novos, que esperam do adulto um saber agir sempre igual e sereno na resposta, na orientação. Uma falta de mimo procurado pelo homem na mulher, como se toda mulher for mãe. Uma falta de igualdade com essa mulher, de quem, cultural e doutrinalmente, pensamos inferior. Como a mulher pensa inferior do homem ao qual tem que alimentar. Na nossa cultura, como em outras, o comportamento do homem adulto não pode ser doce nem meigo, precisa de ser corajoso e autoritário para defender a sua prole.

Como se o nosso agir masculino for omnipotente e tivesse a capacidade de substituir o agir dos outros. È claro que a cultura define assim o comportamento do adulto com a criança, substituir e não fornecer os meios para a criança agir pela sua conta. Como a mulher com o homem, que procura o controlo, o comportamento denominado fálico, ou simplesmente maternal, protector. A igualdade dos sexos não tem sido possível, de momento, materializar. Não só na História, bem como na mitologia que orienta o nosso pensar. O mito central, é Maria, que comanda no filho da divindade e fica de exemplo para milhares de pessoas no mundo. E o comportamento de procura de ajuda aos santos, boa parte dos quais são mulheres, ou homens que souberam rejeitar ás mulheres, como analiso em outro texto meu (1996). A ansiedade que nos domina, a necessidade do tabaco como dependência, do álcool como dependência, dos calmantes como dependência, da fugida como defesa. A procura da pessoa que fique sempre connosco para não falar nós com nós próprios. A falta de cortesia no tratamento entre pessoas. Ou o formalismo ditatorial. Em fim, um conjunto de comportamentos que revelam a infantilidade do mesmo. O caciquismo do mesmo, a patriarcalidade do mesmo. Ainda como acontece nos povos matriarcas, onde a descendência é patrilinear. Radcliffe-Brown bem o analisou (1950), embora nunca saibamos se são dados de terreno ou interpretação etnocêntrica dos seus. Como Anthony Giddens o define hoje (1972). Quando um ser humano entra dentro de estas contradições, é porque deixou de ser criança e passou a ser adulto. A criança é sempre protegida pelo adulto, procura essa protecção, por não conhecer a vida, e pergunta e quer ter respostas. Respostas de como é que se faz, o que não se faz, o não esperado pelos adultos, de qual é a ordem rígida da interacção, das coisas no seu sitio, dos horários a serem cumpridos, do comportamento erudito a ser exibido, de saber trabalhar e a sua técnica, de ser polido, é o que se demanda aos mais novos.

O comportamento adulto e infantil têm o mesmo padrão: o mais pequeno precisa do adulto, para se orientar entre os afazeres. Enquanto o mais velho, precisa de um pequeno para lhe dizer o que fazer, para ser adulto. E, com licença do leitor, hoje em dia, quando há menos pequenos, eles são substituídos por varias formas alternativas de relação que possa dominar, como fazer crianças a idade de ser avó o homem, por se apoderar dos filhos e das filhas a mulher na separação e/ou divorcio. Pelo adultério, pela amizade persistente, pela bissexualidade que nas nossas mentes está. Porque, embora há duas culturas em toda cultura, de conhecimento autónomo, cada uma é dependente da outra, faz parte da outra. Com as afinidades individuais, com as rejeições individuais. Não é a minha intenção explicitar um modelo ideal de comportamento. A minha intenção é traçar as linhas do que parece ser, na realidade, a proximidade dos seres de diversa cronologia, tempo e saber. Onde um não entendo, é a frase comum dos mais novos; um não entendes, cala então, a dos mais adultos. A grande diferença está em que o pequeno é espontâneo, enquanto o adulto se refugia trás o seu estatuto social. Porque sabe que é da base de esse estatuto, que será respeitado. Deixe o estatuto, e será um Dom Ninguém, um Zé Povinho em Portugal, um Roto Descocido no Chile, um Don Naiden, na Galiza. Estatutos dos quais se quer fugir. As crianças crescem quando começam a reparar qual deve ser o comportamento social. A roupa adequada. O uso adequado do corpo, como Vale de Almeida tem tratado (1996). Como Giddens tem tratado (1984).

Queira o leitor aliviar esta parte do texto, com uma história pequena, da sua História da sua vida pessoal e científica. Era uma pequena que fazia 15 anos, e que teve por presente o seu primeiro abrigo de pele de camelo e as suas primeiras meias cumpridas de seda e os seus primeiros sapatos de saltos altos e o seu primeiro penteado de cabeleireira. Licença para ir ao cinema, bem chaperonada por um rapaz maior. Eram todos gestos estudados, novos, a condizer com a sua roupa e idade. Palavras sábias, calmas, movimentos lentos, andar com um pé em frente do outro, lentamente, a ver o melhor filme musical da sua vida. Porque o chaperón não tinha licença para conduzir e ela não tinha idade, o passeio foi de transporte público, em um dia de intensa chuva, ignorada dentro do perfume e das festas do dia. Toda romântica pelos sentimentos acordados pelo filme, e pouco habituada aos saltos altos, ao descer do transporte escorrega e cai dentro de um riacho que pela rua, passava. E fica a cabeleireira com o trabalho desfeito, a pele de camelo abatida, os saltos altos por baixo do transporte, e um não saber se rir ou chorar. E perante as espontâneas gargalhadas do chaperón, ela riu, e riu, e riu, até chorar de rir. A passagem á Van Gennep (1909) de menina a adulta, tinha virado ao comportamento natural do quotidiano infantil que ainda vivia. E foi, lembro-me bem, o melhor dia da festa que por anos vi.

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