Raúl Iturra
Como acontece com Victoria e a sua família, embora seja o Picunche um grupo que fica nas antípodas e muito insular e isolado, Chile e a Cordillera de Los Andes. Anabela também é testemunha do que a família tem feito e que já não precisa. Ela própria é uma criança que resulta de emigração dos seus pais. Mas sabe que dentro do País há já possibilidades económicas de vida. Que ela observa nos seus contemporâneos e na geração ainda mais nova do que ela. Em Portugal não existe a lei que governa a Galiza, como País Autônomo do Estado Espanhol; em Portugal há outra a so Morfadio, semelhante a do Patucio..
Leis que António Montoto e o seu tio Hermínio, bem conhecem e sofrem. É a lei que mencionara antes em outro ensaio sobre galegos, portugueses e picunche Lei que começa logo com o tratado de adesão à Comunidade Europeia em 1987. O crescimento das crianças é feito dentro de essa possibilidade de alto risco liberal, de necessidade de investimento sistemático em bens de produção de lucro. Dissem bem os vizinhos, de que na Espanha, houve um grande investimento na agricultura de centos de milhares de pesetas por casa. Como na indústria, também por casa, outros centos de milhares de numerário. Dinheiro que é uma ajuda e uma redistribuição socialista, que logo muda para se concentrar nos jovens industriais e agricultores. E porque esse investimento é nos nos jovens? Porque do que se trata é de melhorar e modernizar os meios de produção e de investir esses meios em eles. Com a condição de que se habilitem escolarmente, melhorem a casa que habitam, e que concentrem a agricultura tão dividida e espalhada a traves dos anos e dos sistemas de herança.
Não é mais uma orientação a reunir dinheiro por casa para comprar meios de trabalho e tecnologia, com o corpo e a separação familiar. Do que se trata é de criar um País industrial. E para industrializar, é preciso concentrar. Concentrar na habilitação, na indústria, no campo. Eis o uso do estímulo dinheiro, ao qual os jovens, homens e mulheres, casados ou solteiros, aderem rapidamente. Geração em crescimento que tem estado submetida a uma autoridade matriarcal no doméstico, e patriarcal na direcção do trabalho. Mais interessante ainda, a uma subordinação que tem a ver com quem será a pessoa proprietária do único bem que fornecia ajuda reprodutiva até os anos oitenta, a terra e as industrias dos proprietários do capital. Do que tratar, é de distribuir a produção do lucro, não a produção da riqueza. A riqueza virá quando o lucro investido for suficiente como para fazer de todos, pessoas a gerir a economia. Industriais, no campo ou na cidade, tanto faz. A lei de 1995 prevê de que em cada casa fique só um jovem a comandar. As casas em transição, têm um esquema ainda intermédio para o dia da riqueza a produzir, chegar. É o caso do Pepe de Tabuada, de quem falara antes.Esse que eu conheci quando moço e cortava lenha para o Cura da Igreja Luís Vázquez, esse Pepe tem um filho com 18 anos, a estudar. Idade ainda não plena, para entrar no sistema económico. Nem preparado está para o mesmo. Pepe, com sabedoria, aposentasse por invalidez aos 49 anos, entrega a propriedade a sua mulher de 40, com a qual tinha casado por amor de vizinhança. È agora o matrimónio, um investimento que eles sabem aproveitar e ensinam a sogra Carmen Cela, a destinar a sua filha solteira, a contrair matrimónio com um agricultor sem terra, o irmão de agricultores únicos, que ficam com a terra.
E a sogra Carmen, entrega a terra a sua filha Inês, a este jovem. Há um filho, David, que é industrial e comerciante na cidade de Silleda e que nada quer da agricultura. Até porque a terra de Carmen Cela é vizinha da terra de José Tabuada, o meu amigo Pepe, e acrescentam já a produção e o trabalho e o investimento para industrializar o que há. E esse filho David, que sabe que ou corre a outro posto de trabalho ou fica sem nada para o seu futuro, voa a praticar as suas técnicas superiores em Silleda. Surpreendente foi para mim, quando andava em procura de Flora Dobarro Medela de Tabuada, a mãe do Pepe e filha de Manuel Medela, encontrar a Carmen Cela na rua e ela, calada e de olhos brilhantes, endereça-me em pessoa até o rio, onde a família toda cegava erva. Nem tinha eu pensado das trocas por conveniência feitas hoje em dia. Nem o domínio legal que a dita conveniência dá as pessoas. Como o caso não mencionado do Santiago o Padeiro, esse outro meu amigo de Vilatuxe, Santiago Penteado Pumpin, de quem falo em detalhe no meus textos de 1979 e de 1988: o primeiro a levar um tractor a aldeia e a ter um público que nos anos sessenta, não acreditava em máquinas, nem acreditava em armazenar erva em silos, porque apodrecia. Eduardo Fernández, meu amigo pessoal, quando em esses anos levávamos erva fresca as vacas em carros de mão e as alimentávamos, Eduardo dizia que Santiago era bom para fazer o pão com Felicitas a sua mulher. Mas que para vacas, era tolo. No entanto, foi o primeiro em adquirir um tractor para trabalhar as suas terras e a dos seus vizinhos, criar o silo, atar as vacas, que depois foram imitados pelo pai da hoje enfermeira, Josefina, e pelo próprio Eduardo.
Que ficou obrigado a se modernizar a correr, e a correr no tractor que teve que comprar, a casar a sua filha com um eventual agricultor, e a expulsar de casa ao seu filho, abastado comerciante casado com uma professora primária. Esse Eduardo, fica sem herdeiros, em quanto Santiago não se habitua as formas novas e mata-se depois de ter transferido a propriedade ao seu filho José Luís, esse que casara com outra colega de turma, essa Maria que eu sentava nos meus joelhos e fazia festinhas e ensinava a ler. Esse José Luís que, morto o pai, fica sem orientação e usa o tractor para se matar ele próprio, nos seus 26 anos. E a propriedade passa a filha mais nova, que é levada a casar com um possível agricultor, um jovem que está na forja. Proprietária agora de terras que, de certeza, serão absorvidas pelo Pepe ou por Neves Arca, que tem casado a sua filha Teresa com outro agricultor. Da mesma forma que os Arca de Gondoriz Pequeno, esse tios de Neves antes, esse sobrinhos agora, casam a filha do irmão de Neves, Guillermo Arca, com o neto do meu velho Eladio Fernández Ferradas, Manuel. Esse que diz que aprendeu matemática comigo. O único descendente de um Eladio morto hoje aos seus 99 anos, que emigrara com esse grupo a USA, para comprar terras, é esse Manuel o único que as terá. O resto dos seus descendentes, profissionais em Silleda, gestores de cooperativas, bêbado o filho Luís que morou com ele até hoje. Esta inovação legal, refaz toda estratégia matrimonial, como virá a refaze-la em Portugal quando fique regionalizado conforme a política produtiva de que se fala. E como em Pencahue se faz desde a época Picunche, para juntar terras, amem-se os parceiros ou não. Não interessa.
O que interessa é fazer filhos viáveis para a terra e a indústria e para o lucro nacional. Que traz riqueza conjuntural ao jovem trabalhador do dinheiro. Eis porque António Montoto e a sua nora Beatriz e o seu filho José Gregório, diversificam tanto os investimentos, enquanto os filhos de Hermínio os concentram. António e Emérita estão felizes porque José Gregório casa com um nome, com um pergaminho que, para alem de todo, é rica, carinhosa e da netos, dentro dessa ordenação legal nova de hoje em dia. António ouve, vê e cala e trabalha para o traste familiar. Traste familiar que é António filho, que casou com uma rapariga basca e que já tem dois filhos e não trabalha. Trabalha, é a mulher. Esse António com 27 anos, que parece ter herdado o senhorio dos Medela do século dez e oito. Eis porque também, o café em casa, o transporte escolar, Emérita no café e no transporte. A diversificação dos investimentos. Em todos os sítios.
Anabela em Vila Ruiva faz o mesmo. O seu pai diversificou actividades, que acabou por concentrar no comércio. Anabela se faz professora, trabalha no banco nos verões, compra o seu carro para ir de Cinfães a Vila Ruiva, e forma o seu grupo de amigos e projecta os estudos, ano por ano, e enquanto trabalha, para o Mestrado em Ciências da Educação. Como conta na sua história de vida, como tenho observado. As aldeias de ontem mudam rapidamente e a diferença entre uma geração e outra é tão grande, que parece não haver continuidade. Essa continuidade que houve quando a agricultura era o centro do esforço de todos e a base reprodutiva de todos. António não faz agricultura, sempre trabalhou para a agricultura. Beatriz e José Gregório não fazem agricultura, têm um quinteiro. Hermínio, o seu cunhado Amado, Eduardo, Luís de Eládio, não fazem agricultura. Só procuram não perder os seus objectivos de vida. Os seus filhos, não fazem agricultura. O irmão de Anabela, Luís, esse Gestor que nunca quis fazer agricultura, até compra uma casa em Mangualde, na terra da sua mulher em Penalva do Castelo e vive dos negócios. Todo feito, fora do olhar do pai, que controla. Tenta controlar uma geração que fugiu das nossas mãos quando nos somos ainda novos e estamos no poder. Mas no poder, só na medida de que entendamos que a geração muda rápida e urgentemente pelos tratados da União Europeia. A geração do século vinte e um, será ainda dominada pela juventude actual, porque vão todos crescer dentro das mesmas urgências de investir para a riqueza que leva ao lucro. Talvez, podia pensar como Jack Goody fez para a Ghana em 1963, quando pertencia ao Partido do Povo que libertou a Ghana do colonialismo inglês.
Quando tentou entender a situação do País com os conceitos ocidentais de Feudalismo e escreve o seu texto Feudalism In Africa?, que depois passa a ser o livro de l971, Technology, tradition and the State In Africa, onde tenta perceber a continuidade política que for capaz de guardar a continuidade entre gerações que vivem uma diferente experiência. Mas a sua reflexão, que continua em Production and Reproduction, 1976, não ajuda ao País que é iletrado e que tem as suas próprias continuidades e descontinuidades, que faz estalar a guerra., que tem as suas próprias literacias em signos não escritos, entendidos por eles e não multilingues. Essas guerras já vividas pelos Picunche e Espanhóis, pelos Galegos nos séculos dezanove e vinte. Pelos portugueses, nos mesmos séculos, até acabarem Espanha e Portugal em vias pacíficas para a igualdade subsumida ao capital. E o Chile, numa desigualdade esfomeada também pelo capital subdesenvolvido.
segunda-feira, 28 de junho de 2010
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