quinta-feira, 3 de junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República –17

Carlos Leça da Veiga

A Democracia do ser, do ter e do saber

Deveríamos ter outra Constituição?

Respondo afirmativamente.

Todos nós ouvimos proclamar que os poderes do Estado têm de estar separados. Para começar tem de dizer-se ser asneira falar-se desse modo já que o Poder do Estado é só um e manifesta-se, como regra, por três funções, que são a legislativa, a judicial e a executiva que estas, sim, têm de estar separadas por completo, uma circunstância que, ao arrepio do propalado, não é imposta pelo texto fundamental que, a nós portugueses, tem regido. O executivo está dependente do legislativo e o judicial tem dependência tanto do legislativo como do, chame-se-lhe, moderador que, bem sabido, são actividades bem diferentes, com exigências muito próprias e que, em boa verdade, sem excepção, devem ter eleitores ad hoc.

A função judicial não pode ter qualquer traço de dependência da legislativa, algo que a Constituição da República portuguesa não acautela e, bem pelo contrário, como está escrito, o Conselho Superior da Magistratura forma-se, em parte pela vontade do Presidente da República e pela dos membros do Legislativo Nacional, tal como sucede com a maioria de quantas personalidades compõem o Tribunal Constitucional e, também, daqueles que são nomeados como Presidente do Tribunal de Contas e Procurador-Geral da República em cuja nomeação intervêm o Presidente da República e o Governo, logo, quem o sustenta, o Legislativo.

A função moderadora e a promulgadora que, entre nós, é entregue ao Presidente da República, não deveria existir, isto é, numa República não pode haver a figura do chefe de estado. O objectivo dos homens que deram início à Revolução Francesa começou por ser o da implantação duma monarquia constitucional conforme o modelo inglês mas que, depois, gorada essa possibilidade, os que se lhes seguiram na condução do processo político, ao quererem abolir a monarquia, no mais essencial, recusaram a existência da figura do chefe do estado e conceberam uma constituição republicana com um executivo nacional colegial inspirado naqueloutro da velha Roma – o Directório – situação que Napoleão acabou por ludibriar para regressar-se à implantação da figura do chefe de estado, por alcunha imperador, uma modalidade que, mais tarde, como matéria decorrente da existência dum presidente da república na formula constitucional norte-americana (George Washington recusou ser eleito rei) haveria de vingar nas várias repúblicas americanas e europeias onde acabou por fazer escola, com a excepção notável, digna de toda a exaltação, da Confederação Suíça que, afinal, de facto, é a única república existente em todo o mundo. Na constituição dos Estados Unidos da América do Norte, os constituintes pretendiam ter um chefe de estado e do executivo que, sobretudo, não tivesse qualquer semelhança com o do reinado colonialista – opressor – dos ingleses que obrigava a estarem sujeitos ao regime parlamentar e consequente gabinete. Era um regime muito odiado pelos revolucionários norte-americanos que, como consideravam, tirava ao rei o seu papel de protector face aos socialmente poderosos. Em boa verdade, o presidencialismo norte-americano foi modelado, dalgum modo, à semelhança da monarquia “constitucional pura” de Guilherme de Orange, consequente à promulgação do “Bill of Rights”. Nesta modalidade não só foram limitados consideravelmente os poderes da coroa inglesa como passou a ser imprescindível um governo com o parlamento e o seu apoio, de que dependia, por exemplo, a criação de impostos e de exércitos. Como Guilherme de Orange, circunstancialmente, com visão política de boa qualidade, reuniu em si, com agrado geral, os poderes de rei e os de chefe do governo deixou uma herança política muito apreciada pelos independentistas norte-americanos que recusaram a outra praticada, mais tarde, pelos soberanos da casa de Hanover dominados, por completo, pela acção parlamentar cuja má lembrança o novo estado americano não quis perpetuar. Como tal, George Washington, eleito pelo Congresso como presidente foi aclamado rei, com o que jamais concordou, porquanto só iria sê-lo por um número de anos limitado. O novo regime – o presidencialista – ficou diferente do de monarquia constitucional pura (JGBrito Filomeno, 1993) sobretudo pelo particular do Presidente não poder dissolver o Congresso, não poder vetar-lhe as decisões e, também, tal como o Vice-Presidente, por serem funcionários da república, ficarem sujeitos ao tribunal do “impeachment”.

A modalidade constitucional presidencialista, mau grado a recusável hierarquização do poder deliberativo como é atribuída a uma das suas duas câmaras, apesar de tudo é, parece, muito mais democrática que aquela outra modalidade parlamentar. Em primeiro lugar, entrega o poder executivo a quem é eleito por um circulo nacional e não, como no parlamentar, em que o primeiro-ministro, que não o seu partido político, no modelo nacional actual, é eleito por um distrito eleitoral e, bem vistas as coisas, é aquele indicado em exclusivo e internamente pelo partido político maioritário o que – é admissível – até pode significar um enviesar da vontade eleitoral expressa noutros círculos eleitorais. Em segundo lugar oferece muito maior garantia da separação das funções (executiva, legislativa e judicial) do poder de Estado.

Num regime presidencialista – tal como deve defender-se – para maior garantia de democraticidade republicana, não deveria haver a figura constitucional dum Presidente da República, antes sim, a dum Conselho Presidencial com um estatuto colegial, eleito numa lista de cinco elementos em que, por votação interna, distribuiriam entre si, por exemplo, em rotação, os cargos de Presidente, de Vice-presidente e de Ministros de Estado aos quais, num tempo posterior, acrescentar-se-ão, conforme conveniência do Estado, um corpo de Secretários de Estado nomeados pelo Conselho Presidencial e só responsáveis perante esse Conselho.

(Continua)

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