segunda-feira, 21 de junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 35

Carlos Leça da Veiga

(continuação)

Fosse o atraso material do país duma dimensão despropositada e houvesse legítimas acusações de ordem vária impossíveis de calarem-se, a verdade é que, mau grado tanto de desfavorável, não parece correcto, muito menos justo, ser-se tão verrinoso, como aconteceu, na avaliação do estado do país.

A decadência e o desencanto com a parca evolução material do país, passaram a ser e mantiveram-se como a tónica maioritária e mais fundamental do pensamento político e cultural português o que, em grande medida, haveria de ajudar a consubstanciar a formação da resposta nacional mais comum, por desígnio, a de querer copiar, à viva força, sem as bases mais fundamentais, quanto progresso material a Europa Central já tinha conseguido.


Nos dias de hoje, a triste realidade – a imposta pelos grupos sociais dominantes – por mau agoiro, continua a dizer que a busca das respostas mais necessárias prossegue, como sempre, centrada na apologia franca e entusiástica, embora um tanto possidónia, das virtudes atribuídas aos desenvolvimentos materiais e culturais estrangeiros, de sobremaneira os centro-europeus, uma particularidade indesejável mas que, lamente-se, pela mão do oportunismo político, ganhou influência decisiva, porém malsã, no dirigismo político nacional português posterior ao 25 de Abril. O próprio universalismo português – uma velha genuinidade mundial, virtuosíssima e incomparável – passou a ser entendido, na sua essência actuante como resumido à ligação submissa aos interesses da Europa, os continentais, em especial. Os saloios estão no poder!

A Liberdade reconquistada com o 25 de Abril não tem sido bem aproveitada e, muito menos, bem direccionada. Veja-se como a própria História nacional, com a imensa multiplicidade dos seus ensinamentos, continua sem receber um trato político à altura mais merecida.

Que foi feito da tríade estratégica da Democratização, Descolonização e Desenvolvimento?

Em nome da Democracia quanta perversão política e, desgraça a nossa, uma subserviência máxima às vontades dominadoras dos interesses políticos e económicos dos estados centrais europeus, por exacto – é bom apontá-los – as do germânico e do franco, a aproveitarem a ausência, em crescendo, da intervenção ianque, hoje em dia, mais virada para o Pacifico, conforme com as suas exigências estratégicas.

Nos dias que correm, o queixume antigo pelo atraso material português que só via resposta favorável na subserviência ao que pela Europa era feito, agora, mesmo sem ter deixado de fazer sentir-se com o negativismo tradicional nem, tão pouco, receber uma resposta diferente, por mero oportunismo político, tem-se mostrado menos quebrantado e por precaução, hipocrisia e vileza política aparece exposto numa versão que, para além dum tanto possidónia, é apresentada – um péssimo disfarce – não como um desejo de copiar os centroeuropeus nem, tão-pouco, estar a aceitar uma qualquer subserviência às suas intenções políticas mas sim – imagine-se o descaramento – como expressão duma necessária convergência política, económica, cultural e social dos estados europeus. Porquê? Para quê?

Perguntas, uma e outra, que, com toda a clareza, não têm resposta válida que não deixe de ser a aceitação da estratégia das potências continentais centro-europeias desejosas de aumentar o número dos seus súbditos/consumidores.

Como é repetido à exaustão, trata-se – dizem – duma saudável contribuição nacional para a construção dum estado europeu, afinal um anseio político jamais reclamado pela população portuguesa, enfim, uma matéria em que, tão-somente, por conveniências políticas consertadas no segredo dos deuses, a nossa nação eleitora nunca foi ouvida nem achada.

Não deve ser assim. Há responsabilidades históricas carregadas de muito significado estratégico que não devem abandonar-se, antes sim, preservar-se senão mesmo dilatar-se.

Tem de reconstruir-se, em força, o pensamento universalista português que, mau grado muitos desaguisados históricos, nunca claudicou tanto quanto os seus adversários e os seus maus interpretes sempre desejaram ou tentaram. Há um mundo bem conhecido dos portugueses que, de facto, é muito mais promissor que a decadente Europa.

Embora frutos do passado – e não há futuro sem passado – na história portuguesa, há momentos importantíssimos cujo significado não pode desprezar-se, pelo contrário, devem ser colocados, com o destaque mais devido, numa linha de pensamento promotora duma intervenção política internacional, independente e universalista que, nessa, Portugal deve ter forte empenho por, para isso, hoje em dia, fruto da descolonização – ao invés de quanto é propagandeado – ter razões de peso com feição ímpar e muito promissora.

Havia, e têm de manter-se vivos, alguns exemplos excelentes e muito significativos da História do país que, só por si, permitiam e permitem, apesar de tudo, não ser necessário brindar-se o país com epítetos tão gravosos como quantos foram e têm sido ouvidos. Tinha de haver – tem de haver – outra atitude já que, como sentenciou De La Rochefoucauld, nos anos sessenta do século XVII, a alternativa era dever pensar-se que “Nunca somos tão infelizes como supomos, nem tão felizes como havíamos esperado”. Por cá, com bom senso e uma justa noção das medidas, era e é, o que bem podia dizer-se e devia repetir-se.

Era possível, como é, dever insistir-se numa visão da História portuguesa em que, para além de todas as acusações possíveis de assacar aos seus maus acontecimentos e, por igual, aos percalços infelizes do seu caminhar, em sua contradita, levasse em conta, como continua a não fazer-se, alguns dos seus méritos notabilíssimos e, também, muito importante, muitas das suas potencialidades próprias, com destaque para as que, necessariamente, advêm da descolonização, um episódio notabilíssimo da História mundial – repete-se, mundial – que, mau grado a sua grandeza e significados imensos, prossegue sujeito às acusações mais inconsequentes, provocatórias e torpes mas, também – e pior que tudo o mais – sem dar, como devia, os frutos internacionais mais vantajosos.

Recordem-se os aspectos muito positivos, imensamente frutuosos, com que a História portuguesa ajudou, de sobremaneira, à evolução progressista da Humanidade e disso destaque-se o seu pioneirismo prodigioso no fenómeno actualíssimo da globalização; enalteça-se a saga heróica dos descobrimentos e do seu armamento científico tão original quanto inovador; defenda-se que, de facto, o começo da Era Moderna foi a obra portuguesa alcançada com a passagem arrojadíssima do Cabo Bojador e não a queda de Constantinopla; assinale-se o mérito da autonomia do movimento independentista do sebastianismo popular seiscentista; exalte-se a continuidade afoita dos vinte e oito anos da guerra difícil mas vitoriosa contra o revanchismo castelhano; rememorem-se as notabilíssimas recuperações territoriais brasileiras e angolanas cometidas após a Restauração; recordem-se as consequências imensamente benéficas para toda a Europa, conseguidas pela vitória portuguesa, em 1717, na Primeira Batalha do Cabo de Matapan; valorize-se o sentido construtivo e progressista do reformismo regalista de Pombal; saúde-se a manobra inteligente do recuo, para o Brasil, da Corte do Rei João VI; vitorie-se a iniciativa popular de combate ao invasor francês e a contribuição militar nacional para expulsá-lo, persegui-lo e derrotá-lo; reavive-se o significado político da arrancada constitucional do vintismo quando em plena dominação europeia da reaccionária Santa Aliança; louve-se a iniciativa independentista do Brasil, politicamente muito bem preparada e consubstanciada na criação do único estado americano com origem e vivência directa numa super estrutura política europeia; comemore-se o sucesso científico novecentista das expedições arrojadas, esclarecedoras e inovadoras aos interiores africanos; aplauda-se o vigor da resposta da população portuguesa, ao arrepio daquela do aparelho do estado, a quando do ultimato da “pérfida Albion”; glorifique-se – não há outro termo – o sacrifício digníssimo, senão heróico, da saga dos mais anónimos, abandonados que foram nos terrenos da Flandres; homenageie-se a audácia da primeira travessia aérea do Atlântico conforme instrumentação científica de invento nacional; celebre-se a saga mantida de milhões de emigrantes espalhados pelo mundo fora ou, até – há muitos que não gostam de ouvir – reavive-se com vigor a resposta democrática, decisiva e inesquecível que a população portuguesa soube e quis dar à vitória militar do 25 de Abril.

Deve, ou não, revisitar-se a História nacional para melhor reencontrar-se um rumo político mais acertado?

O universalismo português deverá deixar-se enlear nas malhas duma política europeia ao serviço exclusivo dos interesses das potências continentais, as centro-europeias de sobremaneira?

Quem sempre apostou na tese europeísta não acertou. Bem podem dizer o contrário que os resultados estão à vista. Será que desta vez, por conveniências estranhas, a objectividade – aquela dos números e das percentagens – funciona ao contrário?

Será justo que o país esteja entregue nas mãos da hipocrisia política?

Enquanto que a população portuguesa está a ver-se confrontada com uma crise política, económica, cultural e social de gravidade extrema e que nada de bom augura, as direcções políticas das forças partidárias, depois de terem entregue Portugal ao expansionismo centro-europeu, numa ânsia de salvação, enredam-se num discursar sem sentido com que julgam conseguir desculpar-se do mal já feito.

Agora, como convêm aos interesses económicos dos possidentes portugueses, o atraso nacional, autentico como poucas vezes – a tal decadência – está a ser apresentado – um mau disfarce – como coisa já muito mitigada – nada do que foi no passado – tudo graças à salvação conseguida pela ligação orgânica à Europa, uma aliança que, como reafirmam, foi de grande genialidade política e utilidade inquestionável.

A poder verificar-se algum atraso nacional, é dito à população, nada mais é que uma coisa diminuta que só fica a dever-se às consequências duma crise “financeira” internacional que, conforme repetido, irá resolver-se! Não fora assim como, doutro modo, conseguiriam explicar o que têm feito nos últimos trinta anos de governações, coisa que, com toda a objectividade, feitas bem as contas, prima por um dilapidar generalizado de todos os patrimónios públicos nacionais e pelo enriquecimento desmesurado duns tantos privados. Há uma evidência de injustiça social que, sem sucesso, tem sido tentada esconder, à custa dos derrames abundantes e bem badalados, tanto do alcatrão como do betão.

Na História portuguesa já terá havido uma tão acentuada rendição aos interesses estrangeiros?

Na Europa, disso não deve duvidar-se, já está em marcha a opressão dum IV Reich.

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