terça-feira, 6 de julho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República - 49

Carlos Leça da Veiga

À espera duma Terceira República (Continuação)



Nas mentes de quantos têm mandado no viver dos europeus não há a consciência – pelo menos, não parece haver – que está a terminar a época em que, no chamado mundo ocidental e no europeu de sobremaneira, está em aproximação veloz o fim da acumulação, continua, desenfreada e num crescendo ininterrupto dos lucros do capital. Salta à vista que são impedidos de prosseguir pela força concorrencial desmedida das novas e poderosas economias instaladas fora da Europa para as quais, com justiça plena, chegou a hora de inverter as conveniências do tradicional centralismo colonizador muito próprio dos europeus e transportar as sedes das decisões internacionais para fora da Europa, muito especialmente, senão decididamente, para as margens do Oceano Pacífico. Dizer-se o contrário e vociferar-se pela retoma económica europeia (voltar ao antigamente) só é possível por razões de mera metafísica ou duma fé redentora, uma e outra, simples crenças insustentáveis que, no caso que mais interessa, o português, só por delírio dos seus dirigentes políticos, é que pode ser imaginada como coisa susceptível de acontecer inclusive – tão longe prosseguem ao arrepio da objectividade mais comezinha – que chegam ao ponto de considerá-la evidente, inexorável e indiscutível.

Para tal e tanto, começaram por invocar as virtudes excelsas das medidas nacionais optadas para, a breve trecho, face às suas inutilidades e, de sobremaneira, para sacudirem a água do capote, passaram a gritar alto e a bom som que só com uma concertação de medidas financeiras internacionais, é que haveria sucesso!

Depois de terem dado Portugal como quase imune às perturbações económicas do imperialismo neoliberal – nunca falam do seu autêntico descalabro – passaram a admitir que os reflexos internacionais dessa crise haveriam de chegar com intensidade reduzida, por evento desprezível, para, pouco após, reconhecerem-lhe uma dimensão mais alargada e, por fim concluírem pela recessão económica caseira que – dizem eles – mau grado, ter chegado como surpresa – é um fruto da crise lá de fora – iria ter conserto por intermédio das medidas financeiras tanto ianques, como europeias ou nacionais e – estão certos – tem fim anunciado já que, como eles sabem de fonte limpa, não estará longe de acontecer uma retoma económica favorável que, no seu optimismo de fachada, ou de inconsciência, processar-se-á nos termos tradicionais como se tudo continuasse como dantes. Não é um juízo possível de aceitar-se, muito menos uma visão política a propor-se. O seu inverso, isso sim.

Com tais governantes é impossível pensar-se num bom caminhar para o sucesso feliz da República em curso. Importa querer fazer-se outra, a Terceira.

É forçoso pensar-se no avizinhar duma época que, para Portugal – para toda a União Europeia – virá repleta de inevitáveis dificuldades económicas, face ao que foi vivido nos últimos cinquenta anos. Este entendimento realista não aparenta ser tomado a sério pelos chamados dirigentes nacionais, neles incluídos os designados empreendedores e, assim, nada foi legislado nem organizado, em termos da Lei Fundamental, para optar-se, como é premente, por uma adaptação constitucional inovadora que imprima características democráticas avançadas e participativas à sua estrutura funcional. Toda a população portuguesa – ao contrário do que acontece – tem de dispor de mecanismos capazes de garantir-lhe a partilha, o mais directa possível, dos problemas da crise em curso e, a seu par, os duma sua responsabilização efectiva e muito directa na solução a encontrar-se. Mesmo, se outras razões não houvesse e há, será imperioso haver uma alteração política nacional que seja capaz de dar as melhores garantias à impossibilidade de, sem precisarem-se dos vestígios dum qualquer autoritarismo, impedir, em definitivo, poder tornar a haver a repetição dum descalabro democrático como aquele dos transactos anos vinte com o que foram abertas as portas à ditadura salazarista.

Não bastam, nem satisfazem, os programas político-partidários; é imprescindível uma Constituição para uma Terceira República que, no mínimo e, em definitivo, garanta a solidez e a irreversibilidade das conquistas sociais promocionais e assegure uma justiça independente. Com efeito importa instituí-las de tal maneira que os procedimentos dos mais variados recursos humanos intervenientes, enquanto portadores de capacidades cívicas, cientificas, técnicas, artísticas e humanísticas, com valor garantido e com prática social afiançada, possam contribuir o mais possível, com efectividade, eficácia, eficiência e segurança reconhecidas, para ajudar a dar remédio bastante à reconversão e reconstrução das estruturas estatais consequentes à falência pronunciadíssima do modelo de Democracia em curso.

Entre nós portugueses, se as dificuldades a avizinharem-se não forem encaradas nos termos exigidos por uma Democracia avançada – na qual todos têm de assumir responsabilidade democrática nas deliberações – irá gerar-se um indesejável clima de confrontação social. A continuar-se como até agora, em que a venalidade impera, o nepotismo comanda, as falcatruas vingam, a Justiça claudica e as decisões políticas são reserva absoluta dos interesses dos estados-maiores partidários, não será presumível, nem possível, que a maioria da população portuguesa tenha de aceitar, de modo brando, a degradação duma situação económico-social para a qual, ao contrário de quanto anda a propalar-se, em nada contribuiu.

(Continua)

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