sábado, 28 de agosto de 2010
Novas Viagens na Minha Terra
Manuela Degerine
Capítulo XCII
Vigésima terceira etapa: de Redondela a Pontevedra (continuação III)
Por que carga de água nos desviaram de um caminho que, no fim de contas, não passava pela zona das obras? Outro mistério.
Apressamo-nos a sair daqui. Chegamos ao que Gérard Rousse assinala como “antiga estrada medieval”, sem dúvida há pouco restaurada; parece que acaba de ser construída. Miramo-la consternados porém, percorridos poucos metros, acabamos por nos rir, tais intentos raro perseveram: alguns metros bastam para a informação nos telejornais.
Respiramos, aliviados. Neste espaço talvez corramos outros riscos, escorregarmos, torcermos um pé, sermos picados por uma víbora, apanharmos com uma faísca ou uma árvore na cabeça – mas não seremos atropelados. Apenas acaba a parte restaurada onde, claro, aproveitaram para cortar as árvores, o caminho torna-se magnífico, à sombra de belos carvalhos e castanheiros, no meio de grandes giestas em flor, entre muros cobertos de hera e musgo.
Faz agora calor e eu, pouco previdente quanto à água que, no momento de encher as garrafas, me parece sempre pesada – sinto sede. Trago de novo as peúgas penduradas na mochila, as quais continuam molhadas e malcheirosas e, nestas andanças, começam a sujar-se. Em contrapartida o odor da camisola que, vestida, depressa secou, atenuou-se. Ou habituei-me e já não o sinto?
O caminho prolonga-se durante vários quilómetros de felicidade pedestre através desta paisagem excepcional.
Passamos Canicouva. Chegamos à capela de Santa Marta, tocante pela harmonia e simplicidade; onde nos sentamos um instante.
Em seguida caminhamos à beira de uma estrada não agressiva mas pouco agradável; e as mochilas encheram-se entretanto de chumbo – ou de ouro, quem sabe? Cada passo é uma vitória dura de alcançar. E... Se, pelos meus cálculos, devemos encontrar-nos a sete quilómetros de Pontevedra, quando olho para o roteiro de Gérard Rousse, vejo cinco linhas até ao albergue dos peregrinos... O autor não irá menos cansado do que nós ou, o mais provável, não terá encontrado onde restaurar o ânimo. Aliás, ao longo de toda a etapa, assinala uns seis cafés e restaurantes, sem recomendar algum com aquele entusiasmo que vem do estômago, passa pelo coração e enleva toda a sua alma gastronómica.
De novo caminhamos, caminhamos... e nunca mais chegamos. Avaliamos um “pouco depois” em mais de três quilómetros todavia, nestas circunstâncias, não desconfiamos menos das nossas percepções do que da falta de rigor do nosso guia espiritual, alcançamos enfim o café Paf, cujo nome exprime sem dúvida a queda dos peregrinos esgotados, um café que julgávamos haver passado, sem o ver, meia hora antes, no mínimo, deparamos com a família franco-germânica, que nos ultrapassou em Arcade, a qual ali devora extasiados hambúrgueres e declara a incapacidade para prosseguir, por agora, um agora com duração indeterminada, nem vale a pena esperarmos, ignoram se conseguirão lançar os pés – em sangue – ao caminho.
Nas minhas botas, avaliando pelas sensações, vai tudo normal. Doem-me as costas, sinto-me porém optimista: hoje já não choveu, a temperatura subirá. Se deixar de fazer frio amanhã, poderei desembaraçar-me do blusão e, a partir daí, a mochila, sem ficar leve, tornar-se-á sofrível.
Passamos enfim debaixo de uma ponte e, poucos metros adiante, cento e cinquenta, segundo Gérard Rousse que, na euforia da vitória, até indica números exactos – vemos o albergue de Pontevedra. Chegámos!
São seis e meia. Houve algumas pausas, embora todas breves: carregámos com as mochilas durante mais de dez horas.
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Que alegria, no cansaço, nas paisagens, na natureza, em obter objectivos. É preciso ser uma mulher coragem.
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