Clara Castilho
O Carlos tem uma gaveta onde guarda os seus tesouros. Quem lá for bisbilhotar ficará decepcionado. Não há ouro, nem prata, não há telemóveis, nem MP3.
Vou contar-vos algumas das histórias dos pedaços da sua vida que ele ali conserva.
O botão era de um vestido da avó, muito importante na vida dele. Quando se encostava ao seu peito volumoso e fofo, e o seu cheiro o invadia, ele podia fingir que ainda era bebé e era acarinhado sem lhe pedirem nada em troca. A avó já morreu mas ele fecha o botão na mão e consegue esquecer as coisas más que lhe aconteceram durante o dia.
O cromo de futebol foi o pai que lho comprou. Gosta de olhar para ele e pensar que é um recado que ele lhe dá, que poderá vir a ser forte e triunfar na vida.
O livro, deu-lho aquele professor que soube esperar que a sua agitação passasse, o olhou nos olhos, afagou o seu cabelo e lhe deu espaço para transmitir o seu sofrimento.
O anel era da Rita, a menina da escola com quem gostaria de namorar. Ela deixou-o cair e ele apanhou-o às escondidas. Já que não tem coragem de a abordar, já que teme que ela ache que ele não presta para nada, gosta de sonhar e pensar que foi ela que lho deu.
Todas as noites o Carlos vai à sua gavetinha, remexe nos seus tesouros, organiza os seus pensamentos e sentimentos. Olha a lua e as estrelas e pensa que há pontes a passarem por cima dos rios. E adormece sorrindo, pronto para os sonhos bons, adormece pronto para aguentar os pesadelos, pronto para procurar mais tesouros.
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
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Clara, adorei. Que lindo! Não há nada que valha as histórias da vida real onde se revela a centelha do que melhor guardamos dentro de nós.
ResponderEliminarA Clara escreve muito bem - Para quando um livro, Clara?
ResponderEliminarParabéns Clara, é um bonito conto.
(O nome da criança talvez devesse ser outro. Mais um Carlos - já cá há poucos...)
Este Carlos é um autêntico vampiro. Desconfio mesmo que lhe cresceram os caninos desde a última vez que o vi.
ResponderEliminarMas não és tu? Eu abarbato tudo o que seja dirigido a Luis.Bom e mau.
ResponderEliminarAugusta Clara, estás a falar do menino que abre a gaveta, por certo. Todas as noites vai abrir a gavetinha, olha a lua... estás a ver?O sol não olha ele. Pudera!
ResponderEliminarMuito bonito, Clara. Se estás a referir-te ao Carlos Loures, muito mais enternecedor de torna.
ResponderEliminarEra uma vez uma menina que contava histórias de encantar. Com bruxas e fadas, maus e bons sempre a acabar bem. Nas noites de pesadelos eu pedia baixinho: Mamã, chama-me a menina Clara...
ResponderEliminarObrigada, Clara!
Não é o menino do conto,não, Carlos. És tu mesmo que estás sempre a pedir textos e livros a toda a gente.
ResponderEliminarAugusta Clara, vê se compreendes que o Estrolabio é um animal em crescimento - cada vez tem mais apetite - agora está a devorar 15 textos por dia. Eu sou apenas o tratador do bicho.
ResponderEliminarÀ Clara não pedi um livro - exortei-a a escrever um livro.
grande audiência .Parabéns a todos. recordes batidos...
ResponderEliminarCaramba! Acontece que não mudei o nome do menino. Ele existiu e era mesmo Carlos. Ou melhor: Carlitos, porque apesar de grande era um puto imaturo. Tínhamos que nos conter para lhe tirarmos o deminuitivo, que o que queríamos era fazê-lo crescer. Foi crescendo um pouco ao deus dará... Fui com ele ao bairro onde ainda vivia uma irmã, encontrou a cadelita na rua e foi um reencontro de nos fazer vir as lágrimas aos olhos. E não quiz bater à porta da irmã, com medo da forma como seria recebido, com medo do que lá iria encontrar. Enfim, um daqueles momentos em que temos que nos fazer fortes, disfarçar, procurar à pressa a melhor palavra para dizer! Um daqueles momentos em que crescemos, em que vimos como a nossa vida tem sido sem pedragulhos no meio do caminho. Será que este Carlos, o da história, vai conseguir juntar as pedras que encontra no caminho e com elas fazer um castelo? E será que esse castelo será para ele se defender, ou para a partir dele atacar?...
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