segunda-feira, 20 de setembro de 2010

José Pedro Machado – II

Carlos Loures

Foi aí que, em 1931, no 6.º ano, teve Marques Braga como professor de Literatura Portuguesa. Um mestre que nunca mais esqueceria. Seguir-se-á a Faculdade de Letras.

Logo no segundo ano do curso universitário, José Pedro Machado teve como professor de árabe David de Melo Lopes, o grande arabista, autor de obras como Expansão da Língua Portuguesa no Oriente nos Séculos XVI, XVII e XVIII (1936). Por essa altura, foi convidado a trabalhar no Centro de Estudos Filológicos, vindo grande parte da investigação aí feita a ser posteriormente publicada. Em 1939, concluída a licenciatura, David Lopes e José Leite de Vasconcelos recomendaram-no para o lugar de leitor de português na Universidade de Argel. Chegou mesmo a ser nomeado. Teria sido uma grande oportunidade para José Pedro aprofundar o seu conhecimento da língua e da cultura árabe. Porém, nesse mesmo ano eclodiu a Segunda Guerra Mundial e essa interessante hipótese esfumou-se. Ainda a convite do professor David Lopes, integrou a Comissão do Dicionário que a Academia das Ciências de Lisboa projecta para 1940 (e que só viria a ser editado mais de 60 anos depois, em 2001 pela Editorial Verbo e sob o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian).

Além do incentivo de David Lopes, aprendeu e foi estimulado pelos elogios de outros mestres: Leite de Vasconcelos, João Martins da Silva Marques, de brasileiros como Antenor de Veras Nascentes, Serafim Silva Neto e Lima Coutinho, do sueco Gunnar Tilander, do grande filólogo galego Ramón Menéndez Pidal... Nunca esquecendo Marques Braga, o seu professor do liceu. É assim que, num texto de 1991, José Pedro recorda os seus mestres: «Quando iniciei o curso da Faculdade de Letras» (...) «Leite de Vasconcelos já estava aposentado, desde 1929. Mas o seu nome não me era desconhecido. Marques Braga citava-o nas aulas de Português dos 6.º e 7,º anos do Liceu e em Agosto de 1930 eu comprara um exemplar, usado, das Lições de Filologia Portuguesa. Lera-as cheio de interesse e, graças a isso, fizera figura nas aulas daquele Professor, a quem me ligou tanta amizade» (...)» Na Faculdade encontrei os estudos filológicos já em decadência. Dos professores que tanto a prestigiaram nesse campo apenas restava David Lopes de quem fui aluno de Árabe. Manda a justiça afirmar que lá conheci outro Mestre» (...) Refiro-me a João Martins da Silva Marques. Competentíssimo na matéria que ensinava, sabia criar discípulos e também me transmitiu admiração por Leite de Vasconcelos:» Conta depois como David Lopes lhe apresentou Leite de Vasconcelos: «Sentado numa poltrona da sala, com aspecto cansado, estava o senhor que eu há pouco vira entrar. Era Leite de Vasconcelos. Após os cumprimentos da praxe, ficou aprazada a minha comparência em sua casa às quartas-feiras pelas 3 da tarde. E, logo na seguinte, apresentei-me no n.º 40 da rua D. Carlos de Mascarenhas, a Campolide»2

A colaboração entre José Pedro e o Mestre só iria terminar em 1941, com a morte deste último. Aliás, referindo-se ao desaparecimento dos seus professores e amigos, dizia num texto de 1992: «Não posso esquecer uma comemoração triste: podermos (e devermos) iniciar o cinquentenário daquele espaço de cerca de um ano durante o qual perdemos três Grandes Mestres: em 17 de Janeiro de 1941, Leite de Vasconcelos; em 20 de Janeiro de 1942, José Maria Rodrigues e, pouco depois, em 3 de Fevereiro, David Lopes. Todos sabemos o quanto a Cultura Portuguesa deve a cada um deles e qual o prestígio internacional conseguido pelos três.»3

José Pedro Machado viria a concluir a licenciatura em 1938, apresentando no ano seguinte a respectiva dissertação – Comentários a Alguns Arabismos do Dicionário de Nascentes. Para quem possa não saber, Antenor de Veras Nascentes era um distinto professor e filólogo brasileiro, autor de uma obra importante, onde avultam um Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1932-1952), as Bases para a Elaboração do Atlas Linguístico do Brasil (1958) e um Dicionário da Língua Portuguesa (1961-1967). Como recorda o Professor Joaquim Veríssimo Serrão no texto de abertura da colectânea de homenagem publicada pela Academia Portuguesa da História em 2004, ao falar da viagem que fez com José Pedro Machado, ambos integrados na delegação portuguesa ao IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, realizado no Brasil em 1959: «Como não hei-de, pois, recordar a fidelidade do primeiro encontro que então tivemos? Como não evocar o eminente filólogo Doutor Antenor Nascentes (1886-1972) que, à chegada do avião à Cidade do Salvador, o veio receber com a calorosa saudação: “José Pedro, seja bem-vindo a esta sua terra”.»4

Foi também na Faculdade de Letras que viria a conhecer Elza Paxeco, a primeira mulher a doutorar-se em Letras pela Universidade de Lisboa (em 1938). Com ela viria a casar em 1940. Do casamento resultaram três filhos (um deles, o nosso João Machado) e a colaboração de ambos em numerosos e importantes projectos comuns, como, por exemplo, a edição comentada do Cancioneiro da Biblioteca Nacional, (antigo Colocci- Brancuti), publicada em oito volumes entre 1949 e 1964. Abre-se aqui um breve parêntesis para recordar a importância de Elza Fernandes Paxeco Machado. Nascida em 1912 em São Luís do Maranhão, no Brasil, frequentou as Universidades de Gales, Londres e Lisboa, tendo cursado Filologia Românica e Germânica, bem como Literatura Inglesa. Foi, como já dissemos, a primeira mulher a doutorar-se em Letras pela Universidade de Lisboa, onde leccionou entre 1940 e 1948. Viria neste último ano a sair da Universidade. Faleceu em Lisboa em 1989.

(Continua)

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