sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Regicídio (Centenário da República)

Carlos Loures



Já aqui falei deste assunto, mas  iria referir hoje alguns aspectos e pormenores que não foquei nesse texto anterior. Em cima, vemos uma "reconstituição" do atentado´, fantasiosa como todas as muitas que por esse mundo fora se fizeram.

Embora se saiba que uma conjura de monárquicos, mais concretamente de gente da Dissidência Progressista, liderada por José de Alpoim e pelo visconde da Ribeira Brava, esteve na base da conspiração, há pontos obscuros - uns que podem ser esclarecidos, outros que, muito provavelmente, nunca o serão. Diz José Luciano de Castro, em «Documentos Políticos»: «Os dissidentes, que para a generalidade do país, são os principais responsáveis da tragédia do 1 de Fevereiro de 1908, e que, se não destruíram a monarquia foi porque não puderam». No meu romance «A Sinfonia da Morte» encontro uma explicação plausível e na qual acredito; mas trata-se de uma ficção, onde as suposições são permitidas. Inclusivamente, nos chamados romances históricos, são pelos hiatos da documentação histórica que a teia da ficção passa e se constrói. Hoje vou falar do que se passou no Terreiro do Paço em 1 de Fevereiro de 1908, cerca das 17 horas.

Com o auxílio do livro que o meu amigo, o historiador Miguel Sanches de Baêna, publicou em 1990, «Diário de D. Manuel - e estudo sobre o Regicídio) nomeadamente com algumas das suas excelentes ilustrações e recorrendo à peritagem a que ele procedeu, com envolvimento do Laboratório de Polícia Científica, vou tentar reconstituir a posição dos principais intervenientes no drama, os seus passos, o que fizeram durante aquele terrível minuto. A atenção dos peritos incidiu sobre três elementos:

a) O landau em que a família real viajava.

b) Asa roupas vestidas pelo rei e pelo príncipe real.

c) A análise balística.

Recorrerei ainda a um ou outro pormenor das autópsias aos dois cadáveres.

No desenho abaixo pode ver-se a posição correcta da família real no landau.



Vejamos agora como Buíça e Costa se movimentaram na praça. Já sabemos que Buíça saiu de junto do quiosque e se dirigiu calma mas rapidamente para junto das arcadas do lado poente. Colocando-se à retaguarda do landau, aproximadamente a 5/8 metros puxou da carabina que trazia escondida pelo gabão (uma Winchester calibre 351) e começou a fazer fogo.

O primeiro tiro foi mortal. Tomando a gola do uniforme de generalíssimo de D. Carlos como referência, acertou-lhe na coluna vertebral, provocando-lhe morte imediata.



Um outro atirador, munido de carabina também, disparou da placa central, de junto do pedestal da estátua. Os impactos são ainda visíveis na 13ª coluna das arcadas, a aproximadamente três metros de altura. Ao mesmo tempo, Buíça dispara o segundo tiro. Atingiu o rei no ombro esquerdo a 15 cm do primeiro, a bala rasgou a o capote e desfez a charlateira do dólman que vestia por baixo, atravessando ainda o lanternim esquerdo da carruagem. Foi este impacto que projectou o corpo do rei, já sem vida, sobre D. Amélia. Foi então que Alfredo Costa interveio. Empunhando uma pistola Browning FN, calibre 7,65m, saltou para o estribo esquerdo e disparou sobre o corpo inerte do rei atingindo-o nas costas, debaixo da omoplata direita. O segundo disparo atravessou o capote à altura do antebraço, mas sem perfurar o corpo. D. Luís Filipe puxou do seu Colt, calibre 38. Costa disparou sobre ele, atingindo-o à altura do pulmão, mas não o matando. O príncipe, por seu turno, desfechou quatro tiros sobre o Costa, que caiu, ferido de morte, gritando.


Na fotografia acima, em que o modelo veste o capote do rei, a primeira seta aponta sobre a gola vermelha o ponto de entrada do projéctil disparado pelo Buíça. Como medida de segurança, este acertou-lhe ainda no ombro esquerdo. O tiro mais abaixo, que se alojou no pulmão direito, foi o disparado pelo Costa com o rei já morto. A foto mostra os pontos de entrada dos três projécteis.



Ao lado, vemos a gravata e, abaixo, a camisa de D. Luís Filipe, manchadas com o seu sangue. O disparo do Costa sobre o príncipe, não foi mortal, mas provocou uma ferida muito sangrativa. Buíça, embora professor, tinha sido sargento em Lanceiros 2 e era um atirador de elite. Foi ele quem, com um tiro disparado já de longe, porque entretanto o landau ia a atingir a esquina com a Rua do Arsenal, disparou um tiro que acertou no rosto do príncipe e o matou. Perfurando-lhe a face, o projéctil saiu pela nuca.

Foi então que o efeito surpresa se desvaneceu e a escolta reagiu. Um soldado de Infantaria 12, Henrique Alves da Silva Valente, atacou o Buíça que, já sem ângulo de tiro ainda o feriu na coxa esquerda. O tenente Francisco Figueira Freire, oficial às ordens do rei, de sabre desembainhado acutilou o Costa, já tombado e depois caiu sobre o Buíça e atravessou-o à altura dos rins. Apesar de muito ferido, rodeado por populares e soldados, ainda mordeu na mão um dos soldados que o atingiu à queima-roupa na cabeça. Quando analisaram a carabina, verificaram que o carregador foi integralmente usado. Buíça não falhou um único tiro.

O relatório médico do exame externo aos cadáveres do rei e do príncipe, revelaram que:

a) – o corpo de D. Carlos apresentava o vestígio de duas balas – uma que atravessou o corpo, deixando orifício de entrada e de saída, e outra que não saiu. A primeira bala, a mortal, penetrou a região dorsal a 2 cm da linha mediana; a segunda entrou na região infra-escapular direita e ficou alojada dentro do corpo.

b) – No corpo do príncipe foram encontradas lesões provocadas por duas balas, uma de efeitos insignificantes e outra causadora da morte. Sabemos que a primeira foi a que Buíça disparou e a segunda foi a de Costa (embora a ordem de disparo seja a inversa).

Sobre as mortes dos dois principais regicidas (foi provada a existência de, pelo menos, mais três), há diversas versões, sobretudo sobre o Alfredo Costa que, segundo as descrições mais verosímeis, foi morto por D. Luís Filipe, mas que segundo outros, teria sido somente ferido pelo príncipe e teriam sido os agentes da polícia que teriam acabado com ele. É relativamente irrelevante. Nesta série de textos que tenho vindo a dedicar aos momentos capitais que antecederam a proclamação da República, voltarei ainda, uma terceira vez, a este tema.

2 comentários:

  1. E já lá fui ver os impactos das balas. Quem colocar um joelho em terra, como se estiver a disparar uma carabina, é só seguir o trajecto desde o lado do centro para o lado da parede na direita para quem se vire para o tejo.

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