sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Hábitos Antigos

António Sales




Frencisco de Almeida Grandella
Por volta de 1912 o governo português debatia-se com uma situação financeira desgraçada que obrigava a recorrer ao estrangeiro pedindo empréstimos, a juros altíssimos, para fazer face às despesas correntes. A situação chegou a ser tão degradante que, sobretudo o mercado inglês, exigia a assinatura do comerciante Francisco de Almeida Grandella, como garantia para os empréstimos nacionais, através do património do homem dono de uma fortuna fabulosa. Neste caso o Grandella valia mais que o governo da nação. Nem por isso o país tomou juízo visto que anos mais tarde mandou vir um ditador de Coimbra pôr as finanças em ordem quando os juros da dívida pública já eram superiores às receitas da nação.

Este é um exemplo, entre outros, representativo da incapacidade em governar a nossa casa, que desde a instituição do constitucionalismo assumiu o papel de doença crónica. Após a rebaldaria militar do século XIX, logo que a terra portuguesa entrou num certo sossego, veio a rebaldaria dos partidos fragmentados, governantes marados, eleições manobradas, aristocratas e comerciantes manhosos cativando fortunas através do erário público. Enquanto o povo empobrecia a máquina do Estado engordava com amigalhaços, familiares e correligionários políticos. D. Pedro V, que tivemos a fatalidade de morrer com 25 anos e de lhe suceder o paspalho do irmão D. Luís I, abominava os políticos que, segundo ele, serviam para esmifrar a nação.

Para quem estiver interessado em conhecer melhor o desgoverno desses tempos recomendo a leitura de “A Revolução Liberal” (Os Devoristas), de Vasco Pulido Valente (2ª edição 2007 – Aletheia editores) e “Fontes Pereira de Melo, de Maria Filomena Mónica, da mesma editora e cuja 4ª edição é de 2009. Bastam essas duas obras para entendermos melhor a tragédia económica que tem acompanhado o nosso país a que nem hoje os milhões da EU salvam de crises frequentes: o descrédito internacional e o apelo ao sacrifício da população. Ressalvando o tempo que nos separa da tipóia para o automóvel, do telégrafo para os IPhone 4, da contabilidade feita à mão da engenharia financeira, dos debates na Câmara sobre o caminho de ferro até Elvas para os do TGV, a essência dos problemas, erros, rivalidades e interesses políticos e financeiros é a mesma, só mudou a forma. A ruína do Estado reside na ganância, na incompetência, na vaidade pessoal.

A desgraça nacional tem origem nas decisões impensadas, nos erros grosseiros que custam milhões, a corrupção como marca resultante da tolerância da sociedade que atravessa a monarquia constitucional, a república, a ditadura e a democracia, passando pelo tempo até aos dias de hoje.

Por tudo isto conservo-me seguro e tranquilo que iremos sair desta crise com honra e glória de modo a podermo-nos preparar para a próxima.


 (Publicado no jornal “Badaladas” em 15.10.2010)

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