quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O Porto é uma nação

Carlos Loures


A primeira vez que fui ao Porto, viajei com os meus pais, pois era um miúdo pequeno, com seis ou sete anos. Chegámos num sábado, numa manhã de Primavera, fria, mas luminosa. Saímos do comboio na Estação de São Bento e logo fiquei maravilhado com as diferenças – o empedrado das ruas, os eléctricos não eram amarelos, mas acastanhados e (pareceram-me) mais largos do que os de Lisboa, os prédios escuros… Via muito cinema e a Baixa do Porto, pareceu-me um cenário londrino. O incêndio da guerra lavrava ainda. A falta de combustível obrigava os carros a usar uns depósitos de gasogénio. Já os tinha visto em Lisboa, mas pareceu-me haver mais no Porto. Tudo era ou me parecia diferente.

O meu pai era o único que conhecia a cidade (acho que a visitara anos antes de casar com o seu grupo de escoteiros) e, orgulhosamente, servia de cicerone. Mas não a conhecia tão bem como dizia. No dia seguinte, um domingo, andámos muito a pé e quando quisemos regressar à pensão ou pequeno hotel da Avenida dos Aliados tivemos de apanhar um táxi (equipado com os tais depósitos de gasogénio). E foi ao taxista que, quando o meu pai se queixou de que a cidade estava muito grande, usou uma expressão que iria ouvir pelos tempos fora (com registos diferentes): «O Porto é uma nação!».

Passei pelo Porto de comboio numa viagem que, mais de dez anos depois, adolescente, fiz a Vigo. No regresso, no mesmo compartimento viajava um casal inglês. Eram gente “entrada” na minha perspectiva o que queria dizer com 40 anos ou mais. Conheciam bem a cidade e vieram-me a fazer o seu elogio. «Cidade muito romântica» foi a frase que fixei da longa conversa. Eram professores, gente com cultura acima da média e a expressão «very romantic» pode ter tido uma abrangência que na altura não captei – pois interpretei no sentido corrente (é de facto uma cidade romântica) e não na acepção erudita de cidade com muita arquitectura do romantismo, sobretudo do realismo tardio – mas não só, pois o Porto é rico em barroco, neo-gótico, na arquitectura do ferro (as duas pontes), arte nova (com o esplendoroso Café Majestic).

E passado pouco tempo fui ao Porto num grupo de estudantes – estive ontem a ver as minhas fotografias com a torre dos Clérigos atrás (não fosse alguém duvidar) e fui ao então recente Estádio das Antas – tenho foto também. Um colega portuense que fez de cicerone, elogiou tudo. Houve uma altura em que já não sabia o que mais dizer e elogiou os passeios em cimento, «muito mais bonitos do que os de Lisboa» (não são mais bonitos, mas a minha mulher, um dia em passeávamos pelo Porto, gabou-mos noutra perspectiva: os saltos altos não se prendem entre o empedrado).

Na Praça D. João I, o “cicerone” mostrou-nos orgulhosamente um «fura-nuvens», com nove andares ou assim – em Lisboa chamávamos «arranha-céus» ao prédio da Praça do Areeiro e tínhamos inveja de Madrid onde na Praça de Espanha havia um verdadeiro arranha-céus – 24 andares, salvo erro. O colega de que não me lembro o nome, mas que aparece numa das fotos, ao fim de um dia de deambulação pela cidade, nos comentou - «O Porto é uma nação!»

Depois, ao longo da vida estive no Porto com frequência, as mais das vezes em serviço. Mas nessas deslocações reunia sobretudo com gente da literatura (fui mais do que uma vez a casa do Professor Óscar Lopes, num perpendicular da Avenida da Boavista, reuni uma boa meia-dúzia de vezes com o Professor Carlos Alberto Ferreira de Almeida, que morava em Gaia, perto da Avenida da República, mas que quase sempre vinha ter comigo ao Majestic…

O Porto é uma cidade única. Mais tipicamente europeia do que a meridional Lisboa, brumosa e não luminosa como a capital, é bela de outra maneira. São duas cidades muito bonitas e a beleza de uma não ofusca a da outra, nada impedindo, no entanto, que se goste mais de uma delas, sobretudo se for aquela em que se nasceu. As comparações são, geralmente, tendenciosas e disparatadas (ia a dizer estúpidas). Infelizmente, ouço-as não só na boca dos ranhosos das claques, mas feitas por pessoas inteligentes ou, pelo menos, cultas.

Quando chego (sobretudo se vou de comboio, porque de carro tenho de atravessar subúrbios de pesadelo que impedem, ou prejudicam, o encantamento), recordo sempre a minha primeira viagem, há tantos, tantos anos, e a agradável surpresa de percorrer um mágico caminho ao encontro da infância. O Porto não será uma nação – para mim é um universo.

1 comentário:

  1. Estou completamente de acordo contigo. Só esses pobres de espírito do futebol (o Carlos Godinho que me perdoe, isto não é com ele)é que arvoram esse estúpido bairrismo. Eu gosto, particularmente, da Ribeira e da Foz. Mas já não vou ao Porto há um tempo. E, agora, Carlos, vê se te portas bem.

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