quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Senhores Singulares -( O romance da revelação do Brasil)- 10 - por Sílvio Castro

(Continuação)

Tainá I


Como Vossa Senhoria já deve ter podido observar, a gente daqui a cada momento entra nos rios ou no mar para banhar-se. Não só os jovens, mas também os velhos e principalmente as crianças.

Tomar banhos, além de ser sempre festa, parece ser também a maneira que têm para manter a pele continuadamente fresca e bela. Os banhos fazem com que todos fiquem mais coloridos e se estão pintados, como muitas vezes acontece com homens e mulheres, ficam mais belos ainda nas várias cores que usam. O vermelho que se distingue do bronzeado natural deles se mostra então vermelho rutilante. O violeta usado pelas mulheres jovens toma matizes que parecem muitas cores numa só. E o preto que os homens gostam muito de aproximar ao vermelho se faz talvez a mais bela cor que exista. Crianças, homens e mulheres passam horas e horas a nadar em meio aos cantos dos pássaros e ao calor do sol.

Os banhos não têm hora, mas aquele do entardecer, o último para todos, é o que reúne mais gente. Então quase toda a aldeia se dispersa nos vários braços em que se divide o rio, mas muitos nadam na água salgada do mar, correndo pelas praias de areia branca e fina.

Eu sempre preferi os rios. Gosto de entrar num braço tranquilo, com a água que me chega ao peito e na qual boio como se fosse tranquilo nessas água tranquilas. Mas me lembro sempre do Tejo quando estou nessas águas, ainda que essas daqui onde sonho se movam com a suavidade que embala as minhas saudades. Assim estou quando a tepidez inicial das águas cai diante da brisa da tarde. Então tenho a sensação de um frio que não é frio, mas que faz correr mais veloz o sangue nas veias e serenar os pensamentos.

Eu vi Tainá que nadava nas águas de um braço de rio. Mais uma vez eu caminhava pelas margens, absorto, perdido na contemplação desse mundo sempre novo para mim. Verdadeiramente não fui eu que a vi primeiro, foi ela que me viu. Senti uma voz de mulher que me chamava e meu nome vinha das águas com aqueles sons novos que já me acostumara a distinguir nas bocas de meus amigos. No início eu não conseguia perceber se de certo era o meu nome ou um outro. Não captava então os sons que me pareciam desconhecidos. Então, eu procurava olhar com mais atenção para a boca, a cara amiga que me falava. Mas nem sempre eu era capaz de saber que palavra era aquela, ainda que parecesse o meu nome. Pouco a pouco comecei a captar melhor os sons pronunciados pelos meus amigos e a partir de determinado momento me acostumei com muitos deles. Já agora sentia uma voz jovem, doce, alegre e gentil que vinha das águas do rio e chamava por mim A o n s o o! A o n s o o o! Como acontecia com todos, a rapariga que me chamava não dizia Afonso, mas me recordava sons que eu escutara nas Espanhas, alguma coisa que era um som e ao mesmo tempo não o era, como um respiro provocado. Invés de Afonso quase como se fosse A h onso. Assim me chamava Tainá, a filha mais nova de Coaracy, convidando-me para que eu também entrasse n'água. Não sei porque, me surpreendi contemplando a rapariga que nadava alegre e feliz, e me chamava. Ela não estava pintada, mas sua pele banhada reluzia. Também não sei porque recordei-me de um dia quando Coaracy me fez ver todos os seus seis filhos, três homens e três raparigas. Então ele mostrou a mais nova, uma rapariga bela como as outras duas, porém mais ainda: Tainá. Seus longos cabelos pretos caiam nas costas e alongavam seu corpo jovem. Os olhos eram brilhantes, de luz constante, e os dentes eram brancos, mais do que o branco branco das areias das praias daquele mar. O pescoço de Tainá era redondo, mas ao mesmo tempo como que longo; a boca, cheia e graciosa; os seios pequenos e firmes, pareciam duas lanças que a projetavam ereta para a frente. Tal como ainda é hoje.

Tainá saiu da água enquanto eu recordava o primeiro dia que a vira e agora queria que eu nadasse com ela nas águas tranquilas que a esperavam sempre.

Aconteceu então uma coisa importante - digo a Vossa Senhoria -: eu nunca tomara até então um banho em companhia; mas, vendo Tainá assim naquela tarde, pela primeira vez eu me despi todo e nadei por longo tempo, num banho que me parecia o mais belo jogo da minha vida.


Tainá II


Como acontecia com todas as raparigas, Tainá passava muitas horas do dia na "casa das mulheres". Era uma cabana grande que se abria nas primeiras horas do dia e se fechava à noite. Nela as mulheres, em geral aquelas que não tinham mais maridos e de filhos já grandes que viviam nas próprias cabanas, essas mulheres recebiam em custódia as meninas-moças que começavam a idade de mulher. Essas meninas passavam, nos primeiros tempos, todo o dia na "casa das mulheres". Depois de um certo periodo, elas saiam pela primeira vez e a gente da aldeia as festejavam. Pareciam outras, como se se tivessem feito definitivamente mulheres. Depois deste primeiro tempo, as raparigas continuavam a frequentar a "casa das mulheres", porém já livres de viverem também na cabana paterna. E a partir de então eram muito livres na escolha de seus companheiros. Mas, quero dizer a Vossa Senhoria, ainda que muito livres, não são lascivas e luxuriosas. Eles aqui amam com a mesma naturalidade com que fazem tudo: brincam, jogam, cantam, dançam, choram, riem, comem, dormem.

É muito difícil compreendê-los também nessas práticas. As jovens mulheres são livres e assim vivem mesmo diante de estranhos como nós; os homens não cuidam da liberdade usada pelas mulheres; não pretendem nada delas que já não sejam escolhas delas. Os homens daqui, ao contrário de nós, são sempre muito gentis com as mulheres e elas com eles. Disso no início muito me surpreendi; mas aprendi como eu sempre fora de uma natural violência com as mulheres da minha terra natal, mesmo com aquelas que eu pensava de amar.

(Continua)

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