segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Boris Cyrulnik – 2 - As crianças - soldado


Clara Castilho

Como já tinha anunciado, Borix Cyrulnik esteve em Lisboa, no dia 19 de Novembro, em plena Cimeira da Nato. Só conseguiu chegar às 4,30 do dia em que às 9,30 deveria estar a dar início a uma conferência. O seu atraso serviu para várias piadas, entre elas o facto de a organização do Colóquio o tratar tão bem que ele teve direito a 27 polícias que acompanharam o trajecto entre o seu hotel e o auditório do Instituto Franco-Português…

Com a sua habitual boa disposição, colocou-se ao dispor de todos, com o seu saber e experiência, respondeu a perguntar e comentou casos clínicos.

Um tema de que fez questão em falar por várias vezes foi o da realidade actual no Congo, onde se tem deslocado várias vezes, para estudar a situação das crianças -soldado. Referiu que, para além desta problemática, se está a usar a violação de mulheres como uma arma de guerra. Com estes factos, famílias inteiras são destruídas emotivamente. Devido a crenças culturais, os homens sentem muita vergonha por não terem sabido proteger as suas famílias. Trata-se de uma sociedade em que as mulheres, enquanto mães, são veneradas e serem violadas representa uma blasfémia.

Perante esta situação, falar sobre o que aconteceu é muito difícil, quase impossível. Assim, para os que o não conseguem fazer, são incentivados a, em sessões colectivas, fazerem canções, peças de teatro, criações colectivas e expostas colectivamente. A fim de poderem metamorfosear o sofrimento. Isto porque, segundo Cyrulnik “TODAS AS TRISTEZAS SÃO SUPORTÁVEIS SE FIZERMOS DELAS UMA HISTÓRIA”(1999).

Através do seu trabalho com crianças - soldados, em África, verificou que elas ficam gravemente traumatizadas. Um grande número destas crianças tinham-se alistado como mercenários em exércitos que pagam a quem faça a guerra. Durante a guerra elas sabem o que é preciso fazer, sabem quem são os seus amigos, quem são os inimigos, aprendem a lutar, a esconder-se, a roubar. Não têm medo da guerra, sabem o que fazer.

Por exemplo, em Moçambique, ao falar com elas e ao perguntar-lhes o que iriam fazer depois, dado que a guerra tinha terminado, a maioria respondeu-lhe que tinham medo da paz. Também verificou o mesmo no Líbano.

Quando chega a paz, não sabem como agir e, então, sentem medo da paz. Mas a maioria destas crianças também disse que o que queriam era voltar à escola. À escola enquanto factor de resiliência, acrescenta Cyrulnik. Tinham um handicap afectivo imenso, mas ainda estavam vivos. Refere que, então, os técnicos e investigadores não compreenderam que eles queriam voltar à escola, mas não às escolas das suas aldeias de origem, onde eram vistos como delinquentes ou criminosos. Teria sido preciso mudá-los de contexto, não os fazer regressar aos locais de origem. Demoram muito tempo para percebermos isso, cometeram um erro, facto que hoje tomam em consideração noutras situações em que tal facto continua a ocorrer, como é o caso do Congo.

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