O documento evidentemente real, a Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita de 22 de abril a 1º de maio de 1500, enviada logo no dia seguinte a Lisboa, ao destinatário venturoso, D. Manuel, mais que um documento é um marco crucial para duas realidades ainda virtuais, a cultura e a literatura do Brasil, que imediatamente depois e a partir do evento fazem-se reais.
Ainda que saída do silêncio dos Arquivos da Torre do Tombo ao primeiro conhecimento das gentes somente no final do século XVIII, confinada que fora pela rigorosa regra do “segredo”, própria da política diplomática da Monarquia portuguesa das grandes descobertas; ainda que publicada pela primeira vez somente em 1817 pelo Pe. Manuel Aires do Casal na sua Corografia Brazílica ou Relação Histórico-Geográfica do Brasil, pela Imprensa Régia, Rio de Janeiro, a quase mágica Carta desde a sua chegada a Lisboa com a nave de Gaspar de Lemos, de retorno do Novo Mundo descoberto, passa a circular, divulgando as maravilhas que somente a partir de então o mundo começaria a conhecer. Assim acontece com a remessa das cartas de D. Manuel aos seus primos, os Soberanos de Castela, e ao Papa romano, mas igualmente através das revelações de uma outra grande potência diplomática, a veneziana, que quase tudo sabia e tudo revelava. As primeiras criações da linguagem literária brasileira, presentes na obra-prima do humanista Caminha, criações tradutoras de novas cores, luzes, perfumes, humanidade, começam assim a correr mundo.
A revelação do Brasil pela Carta de Caminha cria todo um roteiro de magia para a nova terra. As palavras do escrivão português, as primeiras palavras da literatura brasileira, revelam como que um futuro incondicional para a realidade brasileira que principia o seu percurso de realidade. A terra é cheia de graça e a consciência naturalista nasce a partir do gozo de seus ares e águas. É uma visão do paraíso, onde não importa se em verdade exista ouro ou prata ou pedras preciosas. Já a felicidade simples dos sentidos esclarece aos homens que o paraíso existe. E que nele tudo será possível.
“Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até
outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste ponto temos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte léguas por costa. A terra é toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é tudo praia redonda, muito chã e muito formosa.
A terra em si é de muitos bons ares, assim frios e temperados como os de Entre-Douro e Minho (...) As águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la, tudo dará nela, por causa das águas que tem
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O evento do texto de Caminha nos guiou na elaboração de um inédita metodologia para a historiografia literária brasileira e com ela definimos um método que coloca o início da literatura nacional do Brasil com o advento do grande marco perovaziano, coincidindo assim cronologicamente a história literária com a história sócio-política (S. Castro et alii, História da Literatura Brasileira, 3 vv., Lisboa, 2000).
Que grande primeiro evento! Vamos lá descalçar esta bota.
ResponderEliminarA fasquia é sempre altíssima, valha-me Deus!
ResponderEliminarSobre a literatura portuguesa todos temos uma ideia de qual é o evento que mais a marca. Sobre as outras oito a dificuldade será maior. Mas não é nenhum bicho de sete cabeças (são só nove!).
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