Arnaud Parient
A Irlanda perdeu a confiança dos mercados devido às suas dificuldades bancárias e a União Europeia e o FMI vieram em seu socorro. Esta intervenção é muito mal sentida na Irlanda, porque põe em causa a soberania nacional, ainda recentemente alcançada pela qual muito lutaram, e a que dão muito valor, e porque parece anunciar uma acentuação da terrível austeridade que já está a ser imposta aos Irlandeses. Para além destas reacções compreensíveis, o problema essencial que se põe em todos os salvamentos bancários, desde o início da crise financeira, é saber quem é que vai pagar. O acordo que acaba de ser concluído com a Irlanda é deste ponto de vista muito claro e cada um tem a sua parte.
O contribuinte vai pagar
Tendo concedido empréstimos imobiliários muito pouco cuidadosos, os bancos irlandeses não têm dinheiro suficiente para fazer face os seus compromissos financeiros. Eles já não podem funcionar normalmente. Duas soluções são possíveis para resolver este problema: um aumento das suas disponibilidades ( recursos) ou uma diminuição das suas responsabilidades ( compromissos). - O aumento dos recursos pode assumir a forma de empréstimos obtidos pelos bancos ou ser obtido através de um aumento de capital. A primeira solução é mais simples, mas apenas tem sentido para resolver um problema transitório (uma crise de liquidez). Por conseguinte não é adaptado à acatual situação dos bancos irlandeses, cujas dificuldades são bem mais profundas. É necessário por conseguinte proceder a um aumento do capital dos bancos, mas os candidatos não se vêem. O Estado irlandês substituiu-se então aos investidores que não estão interessados em investir nestes bancos: forneceu capital aos bancos e assim ficou seu accionista. Esta nacionalização, parcial ou total de acordo com os estabelecimentos bancários, foi decidida no início de 2009. Mas, hoje, são necessárias novas injecções de capital.
A escolha da recapitalização pelo Estado significa que é o contribuinte que paga o salvamento dos bancos. No caso de uma crise de liquidez, não seria um problema, porque o valor das acções dos bancos aumentaria uma vez os bancos saídos das suas dificuldades e poderiam ser revendidas com lucro. No caso de uma crise de solvabilidade como conhece na Irlanda, não é nada certo que o capital fornecido aos bancos possa um dia ser recuperado através de uma venda de títulos. O contribuinte paga por conseguinte sem nenhuma garantia de recuperar um dia o seu dinheiro. Assume o risco de incumprimento dos bancos.
A dívida dos bancos é, por conseguinte, transformada em dívida pública. O salvamento pela Europa consiste em transformar a dívida pública irlandesa em dívida pública europeia. Se se preferir, os Estados endividados emprestam a um Estado muito endividado. É isto realmente tranquilizador? Depois de tudo, como o diz Nouriel Roubini, a situação da França não é muito melhor que a da Irlanda. De onde vem o dinheiro emprestado à Irlanda? Do fundo europeu criado ao som de grandes fanfarras aquando da crise grega. Este fundo, lembremo-lo, devia ser cerca de 750 mil milhões de euros. De acordo com Christian Saint-Etienne, parece que o montante realmente disponível esteja mais próximo de 200 mil milhões, de modo que não haveria muito mais dinheiro em caixa para o próximo salvamento. A informação precisa de confirmação, mas também não é ela nada tranquilizadora.
A solução retida para salvar a Grécia ou a Irlanda não é por conseguinte necessariamente viável. Permite ganhar tempo. Mas o tempo suficiente? Somos levados a duvidar. Porque as pressões que são impostas aos rendimentos das populações são terríveis e é pouco provável que possam ser aumentadas e mantidas sobre um longo período de tempo. - A única solução seria então a diminuição das responsabilidades, sob forma de falência em devida forma, como deve ser, para os bancos com mais dificuldades, nomeadamente o Anglo Irish, ou então uma reestruturação da dívida. A palavra reestruturação significa que os credores aceitam uma diminuição do valor dos seus créditos. Por exemplo, uma obrigação de um valor de 100 € será reembolsada numa base de 70 € (haircut de 30%), ou seja o credor aceita uma perda de 30% em troca da certeza de ser reembolsado. A alternativa é a falência e, assim, o credor dos bancos pode ter interesse nesta reestruturação, mesmo que não a aceite alegremente. No caso da dívida dos países da América Latina, foi necessário dez anos de modo a que os credores estrangeiros aceitassem a reestruturação em larga escala da dívida, conseguida pelo plano Brady. Estes dez anos foram, na América Latina, a famosa “ década perdida” para o desenvolvimento. Seria bom evitar este erro na Europa e ir tão rapidamente quanto possível para a única solução sólida. A chanceler alemã tinha imposto, aquando do salvamento da Grécia, que qualquer plano deste tipo comportasse um procedimento de incumprimento da dívida soberana, levando a associar os credores às perdas. Mas nenhuma modalidade prática foi definida e esta disposição parece letra morta.
Obrigado Sarko
Nestas últimas semanas, tem-se questionado muito sobre a hipótese de que um acordo com a Irlanda seja subordinado ao abandono da política irlandesa de concorrência fiscal, consistindo esta em tributar muito fracamente as empresas estrangeiras para que estas se instalassem na Irlanda. É evidente que, se todos os países europeus imitassem esta política, o único efeito seria privar os Estados europeus de receitas fiscais. Esta política funciona apenas se a Irlanda seja quase que o único país a aplicá-la, e com isso tirando empregos aos outros países.
É por conseguinte lógico, se a Irlanda recorre à solidariedade financeira europeia, que esta política egoísta seja abandonada. Seria igualmente conforme com um princípio de justiça: se os impostos devem aumentar para financiar o salvamento dos bancos, porque é que são as famílias os únicos a pagar este salvamento? No entanto, tranquilize-se, caro leitor, o dumping fiscal irlandês continua em boa forma, poupado, preservado.
O primeiro ministro irlandês afirmou que a questão da taxa do imposto sobre as sociedades não tinha sido abordada. É verdadeiro que Intel, Google e Microsoft sublinharam que a questão é considerada por estas empresas como um problema sério (Google economiza 3 mil milhões de dólares de imposto por ano graça à judiciosa localização das suas actividades) e que Singapura era um lugar extremamente acolhedor. O primeiro ministro agradeceu especialmente a Nicolas Sarkozy: “I very much welcome the fact that Presidente [Nicolas] Sarkozy indicated that there is no question of Ireland' s corporation tax rates being an issue in these discussion or negociations”? Devemos nós associarmo-nos a estes agradecimentos? É certo, atrair os investimentos estrangeiros é a melhor possibilidade de crescimento para a Irlanda. Mas não é isto às custas dos outros países europeus.
Como é que o dinheiro emprestado à Irlanda (e à Grécia) será reembolsado? Através do regresso ao crescimento económico, poder-se-á esperar no caso da Irlanda. Através do rigor, respondem as autoridades: o aumento dos impostos sobre as famílias e a baixa das despesas públicas deve permitir suprimir os défices, devem seguidamente libertar excedentes orçamentais que servem para reembolsar a dívida. No caso da Grécia, a mentira era tal que se poderia certamente imaginar que o Estado, melhor gerido, poderia libertar recursos, mesmo se é muito duvidoso que estes sejam suficientes para reembolsar a dívida pública. No caso da Irlanda, a ideia é simplesmente surrealista: o país já tem-se multiplicado em planos de rigor cada um deles mais duro que o precedente anterior que se possa imaginar, na esperança de salvar a indepenência a que atribui tanto valor, Como era de prever, o resultado foi quase que nulo, o efeito depressivo da política de austeridade sobre o crescimento vem sucessivamente alargando o défice que a referida política pretende reduzir. Um novo plano por conseguinte está previsto. Crer-se-ia que se está perante os médicos especialistas das sangrias com que Molière nos provoca.
A cegueira das autoridades que se tem verificado desde o início da crise atinge por conseguinte, aqui o seu máximo. A obsessão continua a mesma: evitar que os detentores de capitais sofram as consequências das perdas acumuladas pelos bancos ou pelos Estados aos quais emprestaram. O preço a pagar é a baixa dos salários, a subida do desemprego, ou mesmo o exílio.
Até quando?
Nacionalizam os prejuízos que assim são pagos por toda a população, é um bocadinho a cada um e os nossos milionários não fogem.
ResponderEliminarNão foi o que se fez cá com o BNP e o BPP? Emprestaram o dinheiro a 30 anos como é que querem ter liquidez? Sacaram a massa em burlas como é que querem ter solvabilidade?
Há aí um traque (na blogoesfera) que diz que o lucro é uma despesa, se for assim, ainda pode haver saída.