sábado, 18 de dezembro de 2010

Um conto de Natal de Dulce Maria Cardoso - O menino

Ela e ele entram no casebre. Ela agarra a mão dele. Apesar do escuro distinguem logo o menino. Durante muito tempo não conseguem ver mais nada. O menino. Todo o futuro encerrado no peito que aprende com dificuldade a respiração. O menino. O menino. Durante muito tempo, mais nada.


Depois uns braços nascem em volta dele. Um colo. Um rosto. É a mãe. A mãe fala uma língua que eles não entendem. Mas ela e ele não precisam de compreender as palavras para saberem o que a mãe lhes pede.


Aproximam-se devagar. Como que a medo. A mãe afasta o menino do seu corpo, entregando-o a ela.


Quando ela era pequena, aceitava sempre com vergonha o que lhe ofereciam. Sabia que era preciso dizer qualquer coisa mas nunca conseguia encontrar o momento nem as palavras para o fazer. Então os olhos do pai arregalavam-se: o que é que se diz? Mas ela ficava calada, a boca seca, as mãos a torcerem-se.


Ela recebe o menino dos braços da mãe. Fica suspensa sobre aquele corpinho. Muda.


Lá fora a família aguarda-os. Daqui a pouco ela e ele despedem-se da mãe e levam o menino com eles. Para sempre.


O menino começa a chorar. Ela aconchega-o com gestos de que não se sabia capaz. O menino sossega. A mão pequenina toca ao de leve o anel que ela traz no dedo. A eternidade do momento adensa o redondo da pérola.


Ela e ele demoram-se. Fora do mundo que os espera. Entregues ao menino. Entregues àquela mãe que agora não sabe o que fazer dos braços. Que os deixa ficar para ali caídos. Imprestáveis.


O que é que se diz? Não sei o que e que se diz, pai.

A partir de Janeiro próximo, neste horário, será diariamente apresentada a rubrica "Jardim das Delícias", coordenada por Augusta Clara de Matos. A série de contos de Natal que estamos a apresentar, é por ela seleccionada.



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