sexta-feira, 18 de junho de 2010

Um fantasma chamado Olivença



António Marques *

Um fantasma surge, regularmente, nas chancelarias de Madrid e Lisboa, e intromete-se no relacionamento peninsular. Fantasma que, por fragilizar argumentos, incomoda aqueles que porfiam na «aproximação ibérica». Em Espanha, erigido como troféu pelos mais imediatistas e radicais, é, para os que têm uma visão sólida e calculista da «aproximação», um «esqueleto no armário» que talvez preferissem dispensar. Em Portugal, o espectro é a ilustração perfeita da tentação imperial da Meseta e, por isso, a maioria receia-o e acautela-se. Alguns, proclamando que não existe, ingénuos, não alcançam que, justamente, ele se revela como símbolo e alerta a Portugal de um certo «abraço peninsular». O fantasma chama-se «Questão de Olivença» e nasceu há duzentos anos:

Espanha, cínica e manhosamente concertada com a França Napoleónica, invadiu Portugal, sem qualquer pretexto ou motivo válido, tomando Olivença e outras povoações do Alentejo, em 20 de Maio de 1801, na torpe e aleivosa «Guerra das Laranjas». Portugal vencido, às exigências de Napoleão e de Carlos IV, entregou a Espanha, «em qualidade de conquista», a «Praça de Olivença, seu território e povos desde o Guadiana», assinando em 6 de Junho o «Tratado de Badajoz», iníqua conclusão de um latrocínio. «Cedeu-se» Olivença, terra entranhadamente portuguesa que participara na formação e consolidação do Reino, no florescimento da cultura nacional, nas glórias e misérias dos Descobrimentos, na tragédia de Alcácer-Quibir, na Restauração!...

Findas as «guerras napoleónicas», reuniu-se, com a participação de Portugal e Espanha, o Congresso de Viena, concluído em 9 de Junho de 1815 com a assinatura da Acta Final pelos plenipotenciários, entre eles Metternich, Talleyrand e D. Pedro de Sousa Holstein, futuro Duque de Palmela. O Congresso retirou, formalmente, qualquer força jurídica a anteriores tratados que contradissessem a «Nova Carta Europeia». Foi o caso do «Tratado de Badajoz». E consagrou, solenemente, a ilegitimidade da retenção de Olivença por Espanha, reconhecendo os direitos de Portugal. Na Acta Final, apoio jurídico da nova ordem europeia, prescrevia o seu artº 105º:

«Les Puissances, reconnaissant la justice des réclamations formées par S. A. R. le prince régent de Portugal e du Brésil, sur la ville d’Olivenza et les autres territoires cédés à Espagne par le traité de Badajoz de 1801, et envisageant la restitution de ces objets, comme une des mesures propres à assurer entre les deux royaumes de la péninsule, cette bonne harmonie complète et stable dont la conservation dans toutes les parties de l’Europe a été le but constant de leurs arrangements, s’engagent formellement à employer dans les voies de conciliation leurs efforts les plus efficaces, afin que la rétrocession desdits territoires en faveur du Portugal soi effectuée ; et les puissances reconnaissent, autant qu’il dépend de chacune d’elles, que cet arrangement doit avoir lieu au plus tôt».

Espanha assinou o tratado, em 7 de Maio de 1807 e assim reconheceu os direitos de Portugal. Volvidos 183 anos, o Estado vizinho não deu, porém, provas do carácter honrado, altivo e nobre que diz ser seu, jamais nos devolvendo Olivença. Mas em terras oliventinas, sofridos dois séculos de brutal, persistente e insidiosa repressão castelhanizante (hoje, falar-se-ia de genocídio e crimes contra a Humanidade...), tudo o que estrutura e molda uma comunidade, a sua História, cultura, tradições, língua, permaneceu e permanece pleno de portugalidade! Entretanto Portugal, nunca aceitou nem reconheceu o esbulho. Todavia, não fazendo o que pode e deve (repudiar, determinada e desembaraçadamente, a situação ultrajante de Olivença e exigir a sua retrocessão), transmite a Espanha um despudorado sinal de fraqueza e dependência.

Eis, singela, a «Questão de Olivença»: uma parcela de Portugal encontra-se usurpada por Espanha, extorsão não reconhecida por Portugal e ilegítima face ao Direito das Nações.

Desafortunadamente, talvez a inacção do Estado Português seja culpa colectiva, como alvitrado por Oliveira Martins, na sua História de Portugal: «um povo que não só desconhece o patriotismo, que não só ignora o sentimento espontâneo de respeito e amor pelas suas tradições, pelas suas instituições, pelos seus homens superiores (...) que não só não possui uma alma social, mas se compraz em escarnecer de si próprio com (...) o desdém mais burlesco. Quando uma nação se condena pela boca dos seus próprios filhos, é difícil, se não impossível, descortinar o futuro de quem perdeu por tal forma a consciência da dignidade colectiva».
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*Ex-Presidente do Grupo dos Amigos de Olivença

1 comentário:

  1. Meu caro, dar a conhecer a questão é o primeiro passo, a maioria nunca ouviu falar do que aqui nos conta.É preciso avisar!

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