terça-feira, 6 de julho de 2010
Bakunine por Bakunine (Raúl Iturra)
Fragmento da confissão – carta ao czar Nicolau I
Não digo que eu fosse desprovido de amor-próprio, mas jamais este sentimento me dominou; ao contrário, fui obrigado a lutar contra mim mesmo e contra minha natureza toda vez que me preparava para falar publicamente ou mesmo para escrever para o público. Eu não tinha também esses vícios enormes, ao modo Danton ou Mirabeau, eu não conhecia essa depravação ilimitada e insaciável que, para se satisfazer, está pronta a chocar o mundo inteiro.
Se eu sofresse de egoísmo, este egoísmo seria unicamente necessidade de movimento, necessidade de acção. Sempre houve em minha natureza um defeito capital: o amor pelo fantástico, pelas aventuras extraordinárias e inauditas, acções abrindo à visão de horizontes ilimitados e das quais ninguém pode prever onde vai desembocar. Numa existência ordinária e calma eu sufocava, sentia-me mal em minha pele. Os homens procuram ordinariamente a tranquilidade e a consideram como o bem supremo; no que me concerne, ela me mergulhava no desespero; minha alma se encontrava em perpétua agitação, exigindo acção, movimento e vida.
Eu deveria ter no nascido em algum lugar nas florestas americanas, entre os colonos do Far West, lá onde a civilização está ainda em seu início e onde toda existência nada mais é do que uma luta incessante contra homens selvagens e contra a natureza virgem, e não numa sociedade burguesa organizada. Também, se desde minha juventude o destino tivesse querido fazer de mim um marinheiro, eu seria ainda hoje, provavelmente, um bom homem, eu não teria pensado na política e não teria procurado outras aventuras e tempestades a não ser as do mar. Mas o destino decidiu de outra forma e minha necessidade de movimento e de acção permaneceu insatisfeita. Esta necessidade, junta, em seguida, à exaltação democrática, foi, por assim dizer, minha única motivação. No que concerne a esta exaltação, ela pode ser definida em poucas palavras: o amor pela liberdade e um ódio invencível por toda opressão, ódio ainda mais intenso quando esta opressão dizia respeito a outra pessoa, e não a mim mesmo. Procurar minha felicidade na felicidade do outro, minha dignidade pessoal na dignidade de todos aqueles que me cercavam, ser livre na liberdade dos outros, eis todo meu credo, a aspiração de toda minha vida. Eu considerava como o mais sagrado dos deveres o de me revoltar contra toda opressão, fosse o autor ou a vítima. Sempre houve em mim muito de Dom Quixote, não somente na política, mas também em minha vida privada; eu não podia ver, com olhar indiferente, a mínima injustiça, e, por uma razão ainda mais forte, uma gritante opressão; algumas vezes, sem ter a competência nem o direito, eu me intrometi, de modo irreflectido, nos problemas dos outros e cometi, também, durante uma existência agitada, mas vazia e inútil, muitas bestialidades, incorri em muitas contrariedades e fiz inúmeros inimigos, sem odiar, por assim dizer, ninguém. Eis, Sire, a verdadeira chave de todos meus actos insensatos, de meus pecados e de meus crimes. Se falo disso com esta segurança e com esta clareza, é que eu tive durante estes dois últimos anos, bastante tempo para estudar a mim mesmo e para reflectir sobre meu passado; agora me vejo com indiferença, como se pode ver um moribundo ou um morto.
Petersburgo, Fortaleza Pedro e Paulo. 1851.
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