Carlos Loures
Recordando mais um marco na caminhada para a proclamação da República, falamos hoje da terça-feira, 28 de Janeiro de 1908. Parecendo ser uma derrota, foi um passo importante dado pelos republicanos.
O Partido Republicano não fora criado para ser mais um a participar nas disputas parlamentares. O objectivo do P.R.P. sempre foi o da tomada do poder, o derrube da Monarquia, a proclamação da República. Os grandes aliados da propaganda republicana foram os partidos monárquicos e o próprio rei. Com displicência de quem se julga eterno, foram escândalo a escândalo, fornecendo achas para a fogueira em que a Monarquia se iria consumir.
Os republicanos ganhavam novos adeptos enquanto os partidos do rotativismo se consumiam em lutas internas. Em 1901, João Franco, seguido por 25 deputados, saíra do Partido Regenerador, criando o Partido Regenerador Liberal. No Progressista dera-se também uma cisão: em 1905, José Maria Alpoim, visconde da Ribeira Brava, com mais seis deputados, saiu, criando a Dissidência Progressista. D. Carlos concluiu que a alternância entre progressistas e regeneradores já não correspondia às exigências da governação e, em 1907, empossou um governo de ditadura administrativa, com João Franco com chefe do gabinete.
A Casa Real desacreditava-se com a questão dos adiantamentos, com o despesismo ostensivo de D. Carlos e com uma crónica de escândalos que o monarca alimentava. O Partido Republicano movia-se com facilidade neste ambiente tenso, explorando os erros cometidos pelos adversários. Erros que existiam, mas que eram demagogicamente enfatizados. E gozava de um amplo apoio popular, pois o povo vivia mal, como sempre vivera, só que agora, mercê da propaganda republicana, tomava consciência da sua miséria. A ideia de que a República resolveria todos os problemas nacionais, foi ganhando corpo.
A juntar à agitação social, a greve académica de 1907, levou junto das elites a ideia de que se impunha a mudança. O derrube da Monarquia, passou a ser um objectivo para amplas camadas da população, surgindo como única solução para retirar o país do atoleiro em que se afundava O sentimento de inevitabilidade da mudança, atingiu até sectores monárquicos que achavam preferível o advento da República à manutenção da grave situação que o País vivia. Diziam que os republicanos se encarregariam de desacreditar a República e que a Monarquia seria restaurada após breve interregno.
Dias antes do 28 de Janeiro, aparecera nas livrarias o livro, «O Marquês da Bacalhoa» - o autor era D. António de Albuquerque do Alardo do Amaral Cardoso, filho do senhor da Casa dos Arcos, em Viseu. Um fidalgo anarquista. O editor, Gomes de Carvalho, maçon e republicano, viu na publicação uma forma de agravar o descrédito da instituição monárquica. No livro, D. Amélia era caluniada, dando-se como causa para o suicídio de Mousinho de Albuquerque uma relação adúltera com a rainha.
Em princípio de Janeiro, a família real fora para o Paço de Vila Viçosa, como habitualmente acontecia por essa altura do ano. Em Lisboa, o clima insurreccional adensava-se., com armas e explosivos a serem armazenados. Numa charcutaria da Rua Nova do Carmo, João Chagas era preso, tal como França Borges, director do diário O Mundo. Luz de Almeida, o homem da Carbonária era encarcerado nas Mónicas. António José de Almeida, um ídolo para os republicanos, idem. Domingo 26, um manifesto do Directório Republicano, dizia que «à liquidação dos adiantamentos à Casa Real e do aumento da Lista Civil» se seguia a violência das prisões arbitrárias, e avisava: «as represálias são de prever».
Apesar de Luz de Almeida estar preso, a Carbonária mantinha-se organizada. Numa reunião em casa do visconde da Ribeira Brava, onde estiveram presentes Machado dos Santos, o capitão-tenente Serejo, membros da organização, tratou-se se diversas coisas. O armeiro Heitor Ferreira encarregou-se de obter armas e munições de guerra. Contava-se com o apoio do Exército e da Marinha. em 28 de Janeiro de 1908.
Afonso Costa assumiu a liderança do movimento. Na reunião em casa de Luís Grandella na Rua do Desterro, saiu a ordem escrita para ser assaltada a Câmara Municipal de Lisboa e daí ser proclamada a República. O lugar para a concentração era o elevador da Biblioteca que vemos na fotografia (tomava-se no Largo da Biblioteca e percorrendo um passadiço sobre Calçada de São Francisco descia-se depois no elevador propriamente dito na Praça do Município). Nesta revolta destinada a proclamar a República havia monárquicos dissidentes do Partido Progressista: Ribeira Brava, José de Alpoim, os visconde de Pedralva e o do Ameal. E gente republicana, claro: Egas Moniz, Cassiano Neves, Batalha de Freitas, Álvaro Pope e muitos outros.
O plano era perfeito – inutilização do telégrafo, neutralização por bloqueio do regimento de Cavalaria da Guarda Real aquartelado no Carmo, bem como da unidade sediada no Cabeço de Bola, assalto ao Paço… Tudo previsto. Só que, denunciada a conjura, o governador civil mandou cercar o elevador. Afonso Costa e outros conspiradores foram presos. Os que não foram apanhados, como o Alpoim, fugiram.
Para as ruas saíram grupos armados que atacam esquadras de polícia. Um guarda foi morto e muitos outros foram feridos. Mas, actuando os grupos revoltosos de forma desarticulada, a Guarda e a Polícia dominaram a revolta e fizeram numerosas prisões, apreendendo grande número de armas, munições e explosivos. As previstas adesões de unidades da Marinha e do Exército não se verificaram.
Em Vila Viçosa, D. Carlos tomou conhecimento dos graves acontecimentos ocorridos em Lisboa. O Conselho de Ministros, reunido de emergência decidiu enviar ao rei um decreto-lei que determinava a deportação para as Colónias dos presos de 28 de Janeiro. Teixeira de Abreu, ministro da Justiça, deslocou-se em comboio especial a Vila Viçosa para dar o decreto a assinar a D. Carlos. Diz-se que a rainha e D. Luís Filipe se manifestaram claramente contra a assinatura. D. Carlos assinou e, ao mesmo tempo, decidiu que se mantinha para o dia 1 de Fevereiro, sábado, o regresso a Lisboa. Adiar esse regresso da família real, seria demonstrar medo. D. Carlos acabara de assinar a sua sentença da morte. E também a pena capital para D. Luís Filipe.
E para o regime monárquico.
domingo, 11 de julho de 2010
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