sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Iberismo? - Não, obrigado! (2)

Carlos Loures

Em entrevista à agência Lusa, em Novembro de 2008, Arturo Pérez-Reverte escritor espanhol, defendeu a existência da Ibéria como país único, sem fronteiras que separem Espanha e Portugal. Entende ser «um absurdo» que os dois países vivam «tão desconhecidos um do outro». Afirma haver «uma Ibéria indiscutível que está entre os Pirenéus e o estreito de Gibraltar, com comida, raça, costumes, história em comum e as fronteiras são completamente artificiais", Para ele, o maior erro histórico de Filipe II, no século XVI, foi não ter escolhido Lisboa como capital do império. “Teria sido mais justo haver uma Ibéria, e a história do mundo teria sido diferente". Acrescentou que a Ibéria não existe de jure, mas "qualquer espanhol que venha a Portugal se sente em casa e qualquer português que vá a Espanha sente o mesmo". (..)"É uma realidade incontestável" que precisa de um empurrão social e não político para ser concretizada”(…)”. O mundo de hoje "é um lugar de grandes mudanças sociais". O " Ocidente pacífico, sereno, poderoso, com alguma coerência cultural e social do século XX não poderá continuar. O Ocidente como o entendemos está na sua etapa final"-

Numa entrevista dada ao Diário de Notícias em 2007, José Saramago defendera também a integração de Portugal em Espanha: «Não vale a pena armar-me em profeta, mas acho que acabaremos por integrar-nos» Não seria uma integração cultural,.acrescentou: «A Catalunha tem a sua própria cultura, que é ao mesmo tempo comum ao resto de Espanha, tal como a dos bascos e a galega, nós não nos converteríamos em espanhóis.» Porém, quando o jornalista pergunta se Portugal seria mais uma província de Espanha, Saramago respondeu: «Seria isso. Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, Castilla-La Mancha e tínhamos Portugal. Provavelmente (Espanha) teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria.» E os portugueses aceitariam a integração? - quis saber o jornalista: «Acho que sim, desde que isso fosse explicado».

Comparar Portugal com a Andaluzia e com Castilla-La Mancha, territórios que têm a sua cultura própria, formas dialectais de se exprimir em castelhano, mas que nunca tiveram autonomia política, é absurdo. Os casos da Galiza, da Catalunha e do País Basco são diferentes, pois são nações submetidas e aculturadas. Coisa que nós, os Portugueses que amam o seu país, não queremos que nos aconteça. E este amor não é flor de retórica, requebro de sentimento fadista ou saudosismo de descobrimentos, de esplendores passados – é o genuíno orgulho de pertencer a um povo que desde há séculos está desfasado das vanguardas culturais da Europa, mas que, com todas as imperfeições que acompanham a sua história de nove séculos, tem logrado manter o seu território, a sua língua, os seus valores culturais e a sua independência. Somos um dos estados mais antigos do mundo - o estatuto autonómico de Castilla-La Mancha? Nem a brincar.

Ficou-nos, aos europeus do século XIX, talvez relacionada com a matriz do Romantismo, a ânsia dos grandes impérios, das grandes óperas, dos grandes amores, dos magnicídios e dos suicídios espectaculares. A unificação da Itália, a da Alemanha, sob a hegemonia prussiana, a cavalgada do Império Russo na conquista das nações circundantes, são exemplos dessa ânsia de grandeza que as elites contrapunham ao populismo das ideias igualitárias do socialismo nascente, para essas elites, redutoras da grandeza histórica a que julgavam ter direito. Il gattopardo, a grande obra de Lampedusa, dá-nos um magistral fresco desse contraste de mentalidades – o ruralismo áspero da Sicília sendo afogado pela refinada cultura aristocrática ou a ela se sobrepondo, enquanto em pano de fundo a gesta unificadora de Garibaldi corria ao som das óperas de Verdi. Os intelectuais portugueses e catalães não ficaram imunes a essa tentação de grandeza, vendo os últimos na unificação peninsular uma forma de serem autónomos sem grande esforço ou sacrifício.

Os que defendem a integração de Portugal num Estado estrangeiro, isto é, que desapareça enquanto entidade nacional, não explicam como é que essa tal Espanha aumentada ou Ibéria, seria governada – por uma monarquia? Por uma República? Sou republicano convicto, penso que a maioria dos portugueses o é também. Parece-me ridículo, no século XXI, haver quem se considere e seja considerado «ungido por Deus» e com o direito de estar à frente de uma Nação. Que seus filhos e netos, mesmo que sejam atrasados mentais, tenham o mesmo direito. Quando os vejo nas revistas «do coração» ao lado de play-boys, de jogadores de futebol e suas namoradas, numa palavra, do chamado jet set, dá-me vontade de rir e espanto-me por Saramago ter podido levar a sério coisa tão risível.

Estamos na União Europeia, com decisões importantes para as nossas vidas a serem tomadas, não nos nossos pseudo-centros de poder, nas instâncias comunitárias, em Bruxelas ou em Estrasburgo. Perdemos a moeda nacional e somos obrigados a falar inglês, a língua franca dos nossos dias. Pouca independência nos resta e mesmo essa há gente que a quer hipotecar, banqueiros, empresários. Numa entrevista que aqui reproduzimos há dias, o líder político catalão Josep – Lluís Carod – Rovira dizia que Espanha lidava mal com a independência de Portugal. O que parece ser verdade. Porém, o estado espanhol cometeria um grave erro se quisesse integrar Portugal. Não lhe bastam já os problemas que tem com a Catalunha, o País Basco e a Galiza? Aliás se Portugal tivesse governantes sérios, Espanha enfrentaria um quarto problema – o da restituição de Olivença. Uma diplomacia que não fosse cobarde, exigiria essa devolução pelo menos com a pertinácia com que os governos espanhóis exigem ao Reino Unido a devolução de Gibraltar. Apesar de tudo, com menos razão do que nós.

Nota: Num comentário de valioso conteúdo histórico ao texto antecedente, o meu querido amigo António Sales admite a solução ibérica, embora a relegue para uma próxima encarnação. Nâo creio que essa integração das nações ibéricas se venha a verificar. Neste momento, Espanha começa a revelar-se um estado inviável. Russos e sérvios, por exemplo, ao imporem o seu idioma, os seus valores e interesses ás outras nações que faziam parte dos «seus» impérios, tornaram essas federações impossíveis com os contornos trágicos de que a implosão da Jugoslávia se revestiu e com o dramatismo que a resistência tchetchena assume.


Espanha com a morte do ditador e a democratização que se seguiu poderia ter retomado o processo de federação que a II República encetara e que foi em 1936 brutalmente interrompido. Isso tê-la-ia viabilizado. Mas não, os governos democráticos, do PSOE ou do PP, têm mantido a concepção arcaica, passadista de uma Espanha “una y grande”. Aboliram o fascismo, mas comem-lhe os sobejos. A Catalunha dá sinais de querer dizer Adèu Espanya. A sua eventual saída, poderá, num efeito de dominó, fazer ruir o edifício que, há cinco séculos, foi a utopia de Isabel de Castela e de Fernando de Aragão.

4 comentários:

  1. Carlos, neste assunto sinto-me um pouco entre a espada e a parede, e o melhor é não meter prego nem estopa. E para seguir na linha da metáfora, sempre me pareceu que, nesta matéria se dá, habitualmente, uma no cravo e outra na ferradura. Vou reflectir um pouco mais sobre isto, mas desde já te digo que, a despeito de considerar Portugal um nojo de país, menos na língua que considero, de facto, a minha pátria, sou muito sensível aos teus argumentos. Um abraço

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  2. Adão, não estou de acordo em que Portugal seja «um nojo de país»,. Temos, isso sim, uma classe dirigente - políticos e empresários, sobretudo - que, salvo raras excepções, é um nojo. Claro que, mesmo assim, é preciso relativizar - berlusconis, sarkozis, zapateros e, por aí fora, também não são propriamente gente exemplar. Com todas as limitações que temos, com os bandos (a que chamam lóbis) digladiando-se, com todo este triste espectáculo a que diariamente assistimos, a solução não me parece que seja integrarmo-nos num navio que se está a afundar - Espanha é um estado politicamente insolvente, que não consegue resolver os seus problemas - assimilar-nos era comprar mais um problema a juntar aos outros todos que já tem. Compreendo a tua hesitação, pois sei da admiração que sentias pelo cidadão Saramago. Eu admiro muito a obra dele, mas esta posição que assumiu sobre a integração de Portugal como comunidade autónoma num estado regido por uma monarquia pífia, foi uma posição absurda. E temos de separar as águas - «O Memorial do Convento» e muitos outros livros dele, são maravilhosos e contraímos para com a sua memória uma enorme dívida. Pago, pelo que me diz respeito, essa dívida, não dizendo tudo o que penso sobre as pessoas que aceitam alienar nove séculos de independência. Acho que a Pilar lhe deu a volta ao miolo. Só pode ter sido isso.

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  3. Foi a projecão da sua própria vida. Nasce em Portugal que ama-odeia e vive numa Espanha que o trata bem, mas que nem seque adoptou, naturalizando-se. O problerma de Espanha é muito profundo (já contei como assisti a conversas carregadas de ódio entre Catalães e Madrilenos) e a UE com a sua força centrípeta mais força dá às nações, que lutam pela independencia.Na Bélgica, Francófonos e Flamengos nunca estiveram tão perto da separação como hoje .

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  4. Acordo total sobre o conteúdo destes artigos do Carlos Loures, representam um manifesto. Apesar da discussão, penso ser pacífico na nossa sociedade, embora de vez em quando fabriquem umas sondagens a negá-lo. O "quero ser espanhol" popular; porque o Desportivo de Chaves desceu de divisão com marosca (já aconteceu), ou porque encerraram um centro de saúde, ou porque se inveja o nível de vida deles, pouco significa, no íntimo da maioria dos portugueses o Iberismo não passa duma impossibilidade.
    Dizia ontem um estudo que a Finlândia é o melhor país do mundo para se viver, mas com quatro vezes a nossa área não passa de metade dos nossos habitantes.

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