Capítulo 6
Pencahue, Vilatuxe, Vila Ruiva.
Século XXI
Queira o leitor saber o que penso destes três sítios visitados estes últimos anos. É evidente de que cada um deles, está intimamente ligado a mim, a causa da pesquisa e do prazer retirado do convívio com os amigos que aí fui deixando, ao longo dos anos. Como se fossem da minha família. Queira o leitor saber também, que a mudança que nos três tem é material acontecido, bem como elas estão todas ligadas entre si e como elas estão ligadas. Não apenas pela economia mundial, bem como pela memória do tempo. Cada um deles, como indicara persistentemente em cada capítulo, acaba por fazer deles lugares diferentes. Visitados, também, por um antropólogo diferente, que com a experiência de investigação, vai mudando. Talvez, não no físico, mas sim nas ideias e pensamento. Pensei que em Chile era possível falar com liberdade. E não era certo. Os Picunche que conheci antigamente como inquilinos e cujos sindicatos colaborei a formar nos anos sessenta, são hoje em dia pessoas individuais e autónomas, uma quase empresa individual e autónoma. A única forma de eles sobreviverem ao contexto sócio - histórico que têm vivido, e vivem. As famílias solidárias e submetidas ao patrão, parecem não existir. Ou são patrões eles próprios, ou empregados que já não aceitam o nome de jornaleiro, embora o sejam no que diz respeito a horas de trabalho e ordenados. O matrimónio endogámico tem-se aprofundado e, por causa do hábito, tem passado a ser uma necessidade económica. A mudança é tão substancial que abre uma certa liberdade às pessoas para se juntarem e viverem como casados, sem contrato primeiro, a seguir passou-se ao contrato e ao sacramento, que dão a segurança da propriedade da união entre duas pessoas. Matrimónios realizado com separação de bens, pactuada antes do casamento, com acta de capitulações. Um matrimónio dito a prova, é dizer, com relações íntimas antes do contrato. O que acaba por levar ao amor entre casais. A herança, é resultado da aplicação do Código Civil, partilhas para todos por igual, e melhoras para os filhos mais requestados para os pais. Esses filhos, com todo, estão a abandonar a agricultura e o trabalho pesado das indústrias. Hoje em dia não se vê jovem nenhum a trabalhar no campo, excepto a colaborar com os pais de uma geração anterior na terra própria. Não há casa em Pencahue, que não tenha uma descendência habilitada pelos estudos pagos por eles próprios, enquanto trabalham em cafés, bombas de gasolina, u outros sítios transitórios. Os jovens que entram no século XXI, sabem que todos trabalhos são transitório e subordinado a contrato.
Contrato que dura o que o incremento da riqueza do proprietário, dure. A geração do século XXI, ficou marcada pela autodeterminação, a disciplina, a autonomia. A escola foi capaz de introduzir em eles as ideias do neo-liberalismo existente no mundo. Eis que o mundo que entra com 18 anos ao próximo século, é um mundo desconfiado, não solidário, e a aparecer como famílias apenas para as festas rituais. Quando é possível viajar. Quando é possível ter dias de férias. Quando é possível um certo grau de liberdade. Ao longo de três cumpridos invernos, foi-me possível apreciar a movimentação da juventude, entre sítios geograficamente distantes, a maior parte de ela a estudar, ou para visitar as suas famílias, oi sair com amigos de excursão ou empreender viagens de prazer De seis milhões de jovens, no caso do Chile, há mais do que um trinta por cento nas universidades. Universidades privadas todas elas, mesmo as que foram sempre públicas, e espalhadas por todo o País. A aquisição de habilitações não é já para uma elite, é uma necessidade para poder ser elite dentro da pobreza geral de todos os sítios. Novidade é ver como trabalham e estudam. A minha observação foi também feita em instituições de ensino superior, quer no Centro do País, quer nas do sítio dos Picunche, em Talca, centro do Chile. A cultura tradicional de divertimento nocturno, é combinada com estudos negociados entre docente, discente e família, por imperar um sistema patriarcal dentro dos três países estudados.
Vilatuxe, é que foi a surpresa. Começa a aparecer um abandono da aldeia, de procura de alternativas no pequeno país com estado autónomo, alternativas para cada ser, de forma individual, se preocupe consigo próprio. Um país em que manda a conveniência de se ser como o resto da Europa. Todo debate hereditário, passa a ser inexistente. A terra não é o centro dos jovens que entram ao Século XXI. A terra está a ser objecto do estudo centralizado no Parlamento de Bruxelas, é mais uma industria, donde trabalhadores, são os filhos dos novos proprietários. A Galiza, tem passado por cima das leis escritas e costumeiras, para transferir direitos ao trabalho e não á pessoa. Á capacidade de trabalho, e não á pessoa. Os que entram no século XXI, entra a um novo conceito de ralação familiar: espalhada; e de afectividade: a conveniência: e de propriedade: a habilidade para produzir e para procriar. Quanto debate e disputa eu tinha presenciado em anos passados pelos nacos de território, é assunto que não interessa Como no resto do mundo, a Galiza corre aos estudos, ao ensino superior, as contas do Banco, aos créditos, ao carro, ao investimento. A todo o que possa fazer de uma pessoa, uma entidade com dinheiro. Passível de observar no vestuário, na habitação, na modernidade dos instrumentos da casa. Reconstruir o que éramos, tem sido uma tarefa trazida de arquivos e de memórias de épocas recentes. É no meio de este povo, que vê-se que o tratado de ingresso á CEE, foi um ingresso á serio em uma Europa que quer ser igualitária, que faz por suprimir memórias históricas menos desenvolvidas, menos adictas a processos de idade média. Galiza está dividida, entre o que é a cultura galega, e o que a Europa de Bruxelas demanda a essa cultura.
Se o que eu sou, é ainda uma transição, o que virá a ser é um funeral de pessoas e maneiras de entender. Apagadas pelos filhos dos derradeiros anos do Século XX. A Galiza é uma construção feita na base dos sistemas derrubados ao longo de trezentos anos, com um padrão básico, a União Europeia. Pedra base não difícil de entender para um povo já aberto á luta de identidades com a nova forma de ser conjuntural. É surpreendente morar de novo num sítio que era hierarquicamente heterogéneo e patriarcal, para viver no mesmo sítio com hábitos diferentes para a geração habituada as maneiras patriarcais, geração ainda viva e com domínio sobre outros, à formada por ela, o que eu sou, existem em conjunto com relações parentais como as descrita antes, distante, e as de de amizade e vizinhas vão subsistir enquanto esta geração que desaparece, ainda for activa e viva o hábito de família patriarcal, que começa a ver o seu fim. A morrer a pouco e pouco. A criançada que cresce – que será adulta - para os próximos anos, que acontece ser um novo milénio, cresce já em instituições públicas. Como os infantários. O que será, é o resultado da liberdade de acção que os que hoje são, têm. Como é que será, é possível prever no que sou: casais de indivíduos sem família. Paternidade e maternidade de casais individuais, dedicados ao trabalho o tempo todo e ao doméstico, eventualmente.
A mulher e o homem, são género, não sexo. Machismo e feminismo, não são já precisos: quem quer, escolhe. Orientados pela economia. O homem total, é um sujeito económico. É o que alguém denomina, o horror económico. Não o erro económico. A criança cresce guiada pelo horror. Do qual um dia sairá para tornar a memória emotiva e social que fica. Mais quereria dizer, mas, dizer mais, é impossível. Porque o que interessa, são as bases de crescimento das crianças. Que gerações do que era, governaram a vida social sem perceber a mudança do quotidiano que no povo, acontece.
Como acontece em Vila Ruiva, que até o nome habitual, mudei. Quis mudar. Da forma que Vilaruiva está a mudar também. Porque Portugal, o mais afincado na memória social e emotiva da Europa antiga, tem tido que lutar muito para sair da mesma. Em costumes e em hábitos. O predomínio da Igreja Católica tem, assim, na antiga forma de família, o seu último bastião de suporte sem condições, tem mantido o país no meio do ritual. De esse Versalhes, que eu costumo chamar. Com a corrida as habilitações, que o Chile tem, e que a Galiza já tinha desde os anos sessenta na cidade. Uma corrida que define às habilitações como a possibilidade de se candidatar a um trabalho depois. Portugal tem ainda muito a viver, para ser mudado da transição anterior. É só agora que se debatem os assuntos que estão resolvidos no resto de União Europeia. De Trás-os-Montes ao Alentejo, Portugal é um País rural. Lisboa é filha de mouros o cristãos antigos vindos de Guimarães e O Porto. Vilaruiva será, mas falta tempo ainda para ver o que será esse será A juventude trabalha, uma combinação de agricultura e estudos. No entanto, esse será, é já uma corrida para o saber. A Educação sabe o que está a fazer, o Grupo Doméstico, ainda não .
Santa Eufémia na Beira Alta e Fátima no mundo inteiro, têm muita força no quotidiano. Uma força que faz desconfiar de que o Euro venha ser a moeda entendida por todos. O queira ser entendido por todos. A juventude que é, o é pelo crédito. Vilaruiva está vendida á banca, às finanças, aos empregos conjunturais. Ainda que as que as universidades privadas sejam muitas e as oportunidades estejam todas abertas, são modernas e tenham levado a uma percentagem alta de mais do setenta por cento da população jovem aos estudos, jovens que, após estudos, ficam obrigados ou a trabalhar nas suas novas actividades, que não existem no lar, faltando assim um exemplo para ser, essa que os seus antecessores não tiveram, ou a depender da casa do que antigamente era. Entre uma ou outra actividade, tenta-se avançar. Esta contradição entre ambos factos, podem travar o avanço e nunca chegar a ser o que se espera de novo de geração descendente. É verdade que a agricultura de Vilaruiva é trabalhada pelos que eram, mas ignoradas pelos que são. Mas, é muito cedo dizer. Portugal, um país novo da velha Europa, ainda será um país diferente em poucos meses. Com a regionalização que fez correr a Espanha. Com a divisão do trabalho que faz de Vilatuxe, uma futura fazenda de três famílias. De quantas virá a ser Vilaruiva?
Permita-me o leitor parar por estas perguntas. Todo o que interessa dizer, é que a epistemologia da criança, é um campo sempre aberto ao estudo. E que a interacção entre as duas culturas, adulto e criança é uma interacção mutua, da qual ambas as parte aprendem. Porém, não há plano de educação, institucional ou privada, que não oiça primeiro genealogias e histórias de vida, para saber como incutir na sabedoria do tempo acumulado, uma nova emotiva memória social.
A laia de conclusão. Até poder fazer os três livros que pretendo, com esta imensidade de dados. A laia de conclusão, digo, e de honra às crianças que passaram a ser adultos em breve. Porque, a laia de conclusão, a criança não são as individualidades que vemos, é a experiência acumulada do saber no tempo. Adulto ou criança formal.
Na entidade cultural que não tem idade. Que cresce formalmente entre o nascimento e a puberdade, que cresce em saber entre o nascimento e a morte. Que está sempre a crescer, também quando se faz um ser autónomo e independente, com a capacidade que essa autonomia e independência dão, para interagir e saber mais.
É isso o que entendo por crescimento, faz já muitos anos Crescimento que será, no Século XXI, independente e autónomo. Como a sociedade e as crianças de hoje, futuros pais, o desejam. Filhos de pais autónomos como cidadãos, tempo para emotividade ficará raro, tempo para o lar aquecido, ficará escasso. Que o saibam as mães, ainda na esperança de terem uma descendência em casa. Que o lembrem os pais, esses seres criados para saberem pouco dos pequenos. Que o aprendam Victoria e Anabela, testemunhas da mudança, da mesma forma que o soube Pilar a seguir o nascimento do seu único filho. A União Europeia e a adesão ao conjunto de mercados no qual homem e mulher são seres produtores iguais, o crescimento tem passado a ser uma mercadoria especializada na sua produção. No entanto, filho do Século XX , pergunto-me se por acaso a memória social, a mente cultural que denomino nos meus textos, não tornará a vincar uma ideia afectiva forte que comande por sobre a racionalidade incutida na economia que domina as interacções das pessoas. Porque toda idade têm avanços e recuos, ideias novas que se desenvolvem ou frustram-se bem como ideias velhas que renascem. Modificações que se modificam. Um como sou, submetido á dúvida do seu valor. Um como era, que retorna com o desenvolvimento da vida pessoal e a sua solidão. Um como não era, recuperado até os seus mínimos detalhes para ler a história do povo em cada canto das pedras arrumadas outra vez. Essas pedras que permitem a criançada entender a passagem do tempo e o cuidado de si, porque têm um texto em frente para lhes ensinar que o tempo é feito de ciclos de saberes, geridos pelas crianças que crescem, enquanto crescem e fazem crescer aos que parecem crescidos. Como Bach fez. Da vida, um matrimónio reprodutivo. Da viuvez, uma procura da paixão que em Madalena encontra. Da cegueira, um ditado a Madalena. Da música que para ela e os filhos, escreve. Como a sua arte final, que nunca consegui acabar, a sua Arte da Fuga.
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