Pedro Godinho
O Chile do 11 de Setembro de 1973 não existiu.
Dele não ouvira falar, como, creio, a maioria dos portugueses para quem a informação era oficialmente censurada.
Então, a repressão que me preocupava era a do polícia que nos corria do jardim e a verdade é que nos meus treze anos poder jogar à bola era a coisa mais importante do mundo; pelo menos mais importante que o distante Chile.
Para mais, Portugal era um país que transpirava medo, onde as famílias ensinavam os filhos a não falar de política e, sobretudo, a não dizer mal dos mandantes.
Só o meu avô era diferente e, apesar do temor que isso provocava à sua volta, os meus pais incluídos, dizia o que pensava – do governo, da censura, da igreja, do que quer que fosse; chamava ditadura à ditadura e falava da importância da liberdade e democracia – e portava-se como um homem livre. Para inveja de muitos.
As voltas da história que deram ao Chile o 11 de Setembro de 1973 deram a Portugal o 25 de Abril de 1974 e, assim, o primeiro aniversário do golpe militar chileno encontrou-me já, precocemente emancipado, nas manifestações de solidariedade, com o punho erguido e os pulmões a gritar nas ruas: o Chile vencerá, o Chile vencerá.
O Chile do 11 de Setembro de 1973 era tortura, sangue e morte.
Pinochet encarnava o fascismo sul-americano e contra ele cantávamos as músicas de Victor Jara, mesmo desafinados porque queríamos sentirmo-nos irmanados com o povo chileno, oprimido e espoliado da sua vontade.
Sentíamo-nos quase mais chilenos que portugueses; porque era lá, no Chile, que a alma devia estar. Chorávamos de revolta.
- Chile, presente, agora e sempre.
Allende era um herói, Salvador sacrificado, mas mais ainda admirávamos o MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria) símbolo da resistência popular que combatia de armas na mão a besta fascista.
E, romanticamente, ansiava pela passagem acelerada dos cinco anos que me separavam da maioridade para me juntar à guerrilha revolucionária e ajudar a libertar o Chile. Cumprida essa missão seguiria para onde a Revolução precisasse de mim.
Pinochet agarrou o poder, brutalmente, durante 17 anos, até o Chile se libertar a si mesmo. A marca foi tão profunda que foi imensa a felicidade quando em 1998 Pinochet foi detido em Londres, onde se encontrava para tratamento médico, pela Scotland Yard concretizando um mandato de busca e apreensão internacional com vista a extradição enviado à Interpol pelo juíz espanhol Baltasar Garzón, com base na acusação de crimes de genocídio, terrorismo e tortura.
Felicidade continuada durante os 503 dias de prisão domiciliária que cumpriu em Londres. Apesar de se ter safado da extradição para julgamento em Espanha, graças à influência exercida por Tacther, teve de passar pela vergonha de serem invocadas razões médicas declarando-o mentalmente incapacitado para enfrentar um julgamento, tendo sido extraditado para o Chile pelo governo britânico.
Aí as queixas e acusações judiciais foram-se acumulando. Se é verdade que morreu antes de ser condenado, viu-se obrigado à infâmia de ter de apresentar um atestado de debilidade mental para evitar uma provável condenação.
Viu também ser abalada a pretensa fachada de patriota impoluto, cujos excessos resultavam do combate ao perigo comunista, quando além das acusações e provas de violação dos direitos humanos se juntaram as de fraude fiscal e enriquecimento ilícito. Acabou, afinal, ladrão e senil.
A paternidade dos Estados Unidos da América do Norte no golpe militar chileno, e no que se lhe seguiu – para a qual o mais forte dos adjectivos sempre pareceu insuficiente – é uma nódoa perene que muito contribuiu para criar numa geração a repulsa por (quase) tudo o que cheirasse a ianque.
E fazendo o jogo dos “Se…” na história: como o Chile e o mundo poderiam ter sido outros, e melhores, sem a bárbarie do Chile do 11 de Setembro de 1973.
sábado, 11 de setembro de 2010
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