Carlos Loures
Como contributo para esta iniciativa lançada pelo Professor Sílvio Castro e que conta já numerosas intervenções, trarei aqui breves notas sobre a língua e as literaturas galego-portuguesas. São temas que já abordei anteriormente de maneira mais desenvolvida, mas que se justifica repetir no particular contexto desta série de depoimentos. Muito me agradaria que os amigos galegos participassem neste amplo debate. Não esquecendo que Carlos Durão, vem desde há semanas expondo na sua “Síntese do reintegracionismo contemporâneo” a sua transcendente tese sobre o idioma que com a Galiza e com outras sete nações compartilhamos. Mas o que aqui hoje trago é uma pergunta - Em que momento a língua e a literatura comuns se cindiram?
Segundo Giuseppe Tavani (1924), professor catedrático da Universidade de Roma «La Sapienza», grande especialista em filologia românica, em particular nas áreas linguísticas do provençal, do catalão e do galego-português, essa momento situa-se algures entre o século XIII e finais do século XIV, inícios do XV. Numa Galiza que permaneceu ligada à coroa de Leão e Castela, a lírica galego-portuguesa foi dando lugar a uma poesia galego-castelhana, enquanto em Portugal idioma e poesia encetavam uma viagem solitária. Há um período que estabelece uma fronteira entre um idioma único, falado e escrito em Portugal e na Galiza, e o início de uma deriva em que a Galiza começava a sentir os efeitos da aculturação castelhana e, ao invés, em Portugal, dois séculos decorridos sobre a criação do País, se começava a fixar uma língua e uma poesia autónomas.
Na Galiza e ainda de acordo com Tavani, a linha de demarcação entre a poesia galego-portuguesa e a posterior traça-se habitualmente, já no século em fins do século XIV, inícios do XV, com um cancioneiro específico compilado por Juan Alfonso de Baena, que passou a constituir o corpus da poesia galego-castelhana. O conteúdo do códice do século XIII do cancioneiro da Biblioteca da Ajuda e dos dois apógrafos italianos (cancioneiros da Vaticana e Colocci-Brancuti) é atribuído à poesia galego-portuguesa. Estes dois monumentos historiográficos e literários são os marcos que estabelecem a tal raia entre as duas maneiras de falar e de escrever o mesmo idioma. Mas, como sempre ocorre nas regiões fronteiriças, há zonas de imprecisão em que ambas as tradições dialectais se confundem. Dou dois exemplos.
Martim Codax foi um jogral galego, pensa-se que oriundo de Vigo, dadas as suas frequentes referências àquela cidade. Sabe-se ter vivido entre meados do século XIII e princípios do XIV. Dele, ouvimos «Ondas do mar de Vigo», composição ainda dentro dos cânones da poesia galego-portuguesa.
Em Portugal, D. Dinis (1261-1325), embora seguindo a matriz provençal, censurara o excessivo convencionalismo de trovadores que privilegiavam o lugar-comum em detrimento de sentimentos genuínos como a amizade e o amor. Com a demarcação da poesia trovadoresca, com a fixação a Sul do rio Minho de um idioma que ia encontrando escritores que o usavam, ajudando-o a ganhar raízes e forma autónoma – D. Dinis, Fernão Lopes, Gil Vicente, Sá de Miranda, Camões, enquanto que a Norte o idioma de partida se ia eivando de castelhanismos, com a fonética a ganhar sonoridades distintas, a separação ia-se acentuando ao ponto de, no século XIX, depararmos com um galego onde os neologismos eram empréstimos do castelhano. Voltarei a este assunto. Entretanto, ouçamos agora os Segréis de D. Dinis em «Pois vos Deus», composição do rei português.
sábado, 4 de dezembro de 2010
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Concordo, lato sensu, Carlos; questão delicada para nós! houve, sim, uma separação literária, de usos, política, e há esses bons estudos (muitos de italianos, como do Tavani, a Stegagno Picchio, curioso...), nos que se apoiam os nossos isolacionistas para "provarem" assim uma separação de línguas; mas não houve tal, bem sabemos: a língua subsistiu a N e S da Raia nos beiços do povo até hoje, e todos os "fenómenos" que nela se dão (incluso o famigerado "-ão") são comuns; o que é diferente é a sua distribuição, e sobretudo a construção duma norma a S e o seu "assilvestramento" ao N: a ausência de norma, a desnormalização, a subnormalização... sem continuar com as metáforas, acho que se percebe bem o problema; sobre esses dialetos/falas nortenhos, o Estado Espanhol (pois tal são os seus serventes) está a tentar criar uma língua "por elaboração" (chamam-lhe "Ausbau", para que a gente cale a boca com o alemão!), na que colaboram alguns por ignorância, mas outros, espertos, a sabendas e por conveniência (ordenados, prebendas, estudos "filolóxicos" ad infinitum); justamente nestes dias, estes derradeiros deram à luz (...) um documento "estratégico", para debate... têm medo, é claro, procuram uma saída ao beco sem id. em que se meteram, veem que o (bem ou mal) chamado "reintegracionismo" está a medrar entre a gente jovem, vai colhendo força e segurança em si mesmo, amplia redes de relacionamento que ultrapassam fronteiras e oceanos... por outras palavras: estão a ver se podem tirar talhada disto (p.ex. já pediram entrar na CPLP...); pois lá se verá; eu pessoalmente sou dos que prefiro estratégias inclusivas e não exclusivas...
ResponderEliminardesculpa a extensão: em todo o caso, obrigado a ti e ao Estrolabio por abrirdes estas páginas eletrónicas ao nosso "lério" (http://www.estraviz.org/Lério); abraço
Carlos
Não tens de agradecer xará - Portugal e Galiza - a mesma luta!
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