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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

António Botto no Brasil – 8, de António Augusto Sales




Últimos Anos de Infortúnio

(continuação)



O regresso ao Rio de Janeiro é rápido, o trajecto é curto e os bens do casal são apenas restos esfarrapados da triste estadia em Niteroi. Não há jornalistas à espera do poeta mas ainda tem amigos que o aplaudem numa visita à Academia Brasileira de Letras, em Julho de 1955, recebido pelos académicos e pelo presidente Paulo de Medeyros, em sessão especial onde declama com a inconfundível classe do seu talento. Fazia praticamente um ano que a vida política sofrera o forte abalo do suicídio de Getúlio Vargas a quem sucede João Café Filho, impotente político para proceder à limpeza do «mar de lama do Catete», como dizia. Mas também António Botto não irá ter tempos fáceis, como eu sei, mas ele desconhece, que se encontra suspenso num ângulo da vida definitivo e dramático. Infelizmente jamais retornará à sua poesia da amargura da transitoriedade da beleza e do amor, duas coisas nele associadas. Mais do que a qualquer outro ter-lhe-á sido difícil suportar a carga dos anos e a decadência do corpo a quem rendera o culto da beleza. Entre outros dramas este não terá sido o menor no último quartel da vida.

João Café Filho

Tem-se escrito que na última fase do período brasileiro António Botto terá percorrido no Rio de Janeiro os caminhos da miséria a ponto de vender poemas seus, à porta dos botequins, a vinte cruzeiros para seu sustento e da mulher. Os dramas de um poeta dão sempre jeito a fim de ajudarem a construir o mito. Neste caso nada prova que Botto tenha sido um mártir, o próprio chega a desmentir e repudiar qualquer situação de indigência mesmo temporária. Beatriz Costa declara, vagamente, que «andou por lá mal» (revista “Marie Claire”, Lisboa 1993) e o jornalista Miranda Mendes afirma, a propósito, que «por ali andou aos tombos (“Um Poeta na Vida” – Diário de Notícias, Página Literária, Lisboa 23.03.1959). Impecável no seu casaco de linho modestíssimo, na camisa muito branca - sempre os mesmos, porque não tinha outros -, cheio de fome e a disfarçá-la com uma dignidade altiva e triste, recitava há anos no Rio de Janeiro, terra da sua aventura e desventura, alguns dos melhores versos que jamais se fizeram em língua portuguesa” (idem, idem). É óbvio o toque literário do texto de Miranda Mendes, aliás justificado pelo momento em que foi escrito (1959). No entanto, será bom lembrar, foi exactamente no ano de 1955 que António Botto fez uma nova edição do seu livro Fátima, Poema do Mundo, gravada com a chancela de D. Manuel Gonçalves Cerejeira num gesto de amizade que o Cardeal Patriarca de Lisboa já tivera para com O Livro das Crianças.

sábado, 4 de setembro de 2010

António Botto no Brasil - 3, de António Augusto Sales


Brasil, Meu Irmão!

(continuação)

O Brasil atravessa um período conturbado resultante da ditadura de Getúlio Vargas (1853-1954), afastado do poder em 1945 por um golpe militar. O general Eurico Gaspar Dutra será eleito presidente nesse mesmo ano e elaborada nova constituição. A Grande Guerra terminara mas deixara feridas espalhadas por todo o lado e o Brasil não era excepção. A economia abre-se à importação de produtos e a inflação sobe imparável, as reservas de dólares e de libras são desvalorizadas e o desastre económico só é contido pelo aumento da exportação e do preço do café. Época pautada por frequentes perturbações sociais, características paralisações de trabalho, manifestações de rua, actividades sindicais que perturbam a ordem enfraquecendo politicamente o governo e conduzindo-o ao uso da força. O estado militar corta relações diplomáticas com a União Soviética (URSS) e ilegaliza o Partido Comunista Brasileiro prendendo e perseguindo muitos dos seus militantes. Em cinquenta a nação mergulha em eleições gerais e, por ironia da vontade popular, o antigo ditador Getúlio Vargas acaba por ser eleito Presidente da República por esmagadora maioria. Sol de pouca dura! Quatro anos após a oposição conservadora exige a renúncia e Getúlio, angustiado e incapaz de resistir às pressões políticas suicida-se no dia 24 de Agosto de 1954.

Monteiro Lobato era prestigiado escritor em 1947, ano em que começou a ser editada a colecção das suas obras completas num total de 13 volumes. Viveu como se deslizasse numa montanha russa em surpreendentes flexões do destino como editor, empresário, adido comercial do Brasil em Nova Iorque e até preso político e incomunicável, em 1941, na ditadura de Getúlio Vargas. Quando António Botto chega a São Paulo, Monteiro Lobato, que viria a falecer em 1948, está em condições de o apresentar aos altos representantes da finança paulista, escritores e alta sociedade, ajudando-o a entrar pela porta grande em recitais ao lado de Joracy Camargo e Procópio Ferreira e sessões de autógrafos em diversas salas. São Paulo se não lhe abriu os braços como o Rio de Janeiro também não os fechou.

O casal Botto começou por instalar-se no Hotel S. Bento, na Rua Rogério Badaró, nº 504, apartamento 2119 no 21º andar, onde a Companhia Óscar Rudge entregava as encomendas de resmas de papel feitas pelo Dr. António Botto Almada, recuperando assim a «veleidade de aristocrata» que João Medina refere (Morte e Transfiguração de Sidónio Pais, nota nº 99, pág. 164, Edições Cosmos, Lisboa, 1994) como «tendo chegado a pôr um Almada entre parêntesis, a seguir ao nome, nos cartões de visita». Por essa altura realiza conferências e representações de poemas seus na sala Camões do Centro Português, no Clube Portugália, na Sociedade Brasileira de Alimentação, na Boite Restaurante São Paulo e no Museu de Arte com afluência de público. Tinha trabalho regular na Rádio Bandeirantes com o programa Portugal Canta, transmitido aos domingos, pelo que recebia 1000 cruzeiros por emissão. Durante todo o período de São Paulo estabeleceu contratos com a Rádio Tupi, Rádio Difusora de São Paulo e Rádio Cultura onde manteve Almas e Povos, três dias por semana, que lhe rendia 500 cruzeiros por audição, pagos adiantadamente; aparecia assiduamente em jornais com artigos, crítica, contos, crónicas e poemas. Não sendo rico arrecadava o suficiente para uma vida medianamente confortável como se deduz da sua relação com a Imprensa Gráfica da Revista dos Tribunais a quem pediu orçamento, encomendou papel e realizou pagamentos para a impressão do livro Poesia Nova que por razões desconhecidas não se fez. Por essa altura manda brochar «com todo o cuidado e capa dobrada à francesa», oitocentos livros a um cruzeiro cada.

sábado, 21 de agosto de 2010

Aquarela do Brasil - o manto colorido de uma realidade trágica

Carlos Loures


Temos numerosos leitores no Brasil. Julgamos que são brasileiros e emigrantes portugueses. Por outro lado, a colónia brasileira em Portugal alcança dimensões consideráveis. Esta série de textos abordará, sem sequência cronológica, um período da História do Brasil iniciado há pouco mais de 70 anos e, felizmente encerrado em 1985, com o regresso do regime democrático. Navegará ao sabor da maré, da memória, das efemérides – divagações de um português. Peço perdão aos brasileiros por alguma imprecisão histórica que cometa e agradeço que me corrijam quanto a esses erros factuais. E também que manifestem acordo ou divergência. O Estrolabio é uma tribuna livre e democrática.

Por que motivo dei este nome à série – “Aquarela do Brasil” (nós dizemos aguarela)? Vamos começar por ouvir «Aquarela do Brasil», a canção de Ary Barroso( 1903-1963), cujo retrato podemos ver acima. Depois explicarei a razão de ser do título. Primeiro, ouçamos a bela interpretação de Gal Costa.