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sábado, 13 de novembro de 2010

A Democracia em que vivemos – o triunfo dos porcos (II)

Carlos Loures




«Se houvesse um povo de deuses, ele se governaria democraticamente. Um governo tão aperfeiçoado não convém aos humanos», disse Jean-Jacques Rousseau. Na realidade, a democracia directa, quando da sua primeira formulação  e enquanto participação de todos os cidadãos nas tarefas do Governo, só era concebível dentro das exíguas dimensões geográficas das cidades gregas onde o estatuto de cidadão era atribuído com parcimónia. Ao querer transpor para espaços maiores e com uma abrangência conceptual mais ampla, os senados, os parlamentos, foram a maneira que se encontrou para ultrapassar a impossibilidade de «estar o povo a reunir-se constantemente para tratar da coisa pública». Simbolicamente, o povo reunia-se todo, delegando em representantes a defesa dos seus interesses e pontos de vista.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

"Common Decency”

Fernando Pereira Marques

George Orwell


Em entrevista ao Le Monde, o sociólogo Alain Touraine - meu antigo professor -, falando da França, afirmava que se vive no tempo da “mini-política”, em que se baixa o nível dos debates para iludir as verdadeiras questões e se é incapaz de responder às profundas transformações dos dias de hoje.
Mutatis mutandis tais asserções são aplicáveis também entre nós. Quando se observa o funcionamento das instituições, dos partidos, do sistema político, fica-se preocupado com múltiplos sintomas de imaturidade e de fragilidade democráticas. Por exemplo, no estilo dos debates parlamentares, onde continua a predominar um tom demagógico, superficial, frequentemente roçando o exibicionismo histriónico, que já não se usa nas democracias consolidadas; ou, ainda, no carácter artificial que ganha a salutar conflitualidade entre partidos, entre oposição e maioria, com o recurso à mediatização da retórica enfatuada de porta-vozes ou ao sistemático elevar de voz entre líderes, em que se joga com as palavras, mas se secundarizam os conteúdos e se escamoteia a complexidade das situações. Para não falar da degradação aparelhística e clientelar dos partidos, em particular dos dois principais, ao nível do pior do rotativismo oitocentista.

sábado, 21 de agosto de 2010

Aquarela do Brasil - o manto colorido de uma realidade trágica

Carlos Loures


Temos numerosos leitores no Brasil. Julgamos que são brasileiros e emigrantes portugueses. Por outro lado, a colónia brasileira em Portugal alcança dimensões consideráveis. Esta série de textos abordará, sem sequência cronológica, um período da História do Brasil iniciado há pouco mais de 70 anos e, felizmente encerrado em 1985, com o regresso do regime democrático. Navegará ao sabor da maré, da memória, das efemérides – divagações de um português. Peço perdão aos brasileiros por alguma imprecisão histórica que cometa e agradeço que me corrijam quanto a esses erros factuais. E também que manifestem acordo ou divergência. O Estrolabio é uma tribuna livre e democrática.

Por que motivo dei este nome à série – “Aquarela do Brasil” (nós dizemos aguarela)? Vamos começar por ouvir «Aquarela do Brasil», a canção de Ary Barroso( 1903-1963), cujo retrato podemos ver acima. Depois explicarei a razão de ser do título. Primeiro, ouçamos a bela interpretação de Gal Costa.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A Destruição do Estado-Providência

Fernando Pereira Marques


1 - Com a conivência da esquerda socialista e social-democrata, de Terceiras Vias e semelhantes, Blair’s e Cª, a burocratização dos sindicatos e o eficaz sistema informativo-comunicacional de imbecilização dos povos, o capitalismo triunfante e ultraliberal, após um ciclo de lógica hiperconsumista e de predomínio da especulação financeira, acelerou a destruição do que resta do Estado-Providência, do modelo social construído sobre as ruínas e os massacres da II Guerra Mundial. Deste modo, e como era previsível, actualmente uma das causas da esquerda é defender esse modelo social, impedir a sua destruição completa. Evidentemente não como um ponto de chegada, mas como uma conquista de séculos de lutas que continua a ser um ponto de partida para formas mais humanas de organização política e social.

Permito-me assim transcrever uma passagem sobre o tema de um livro meu há tempos publicado: Esboço de um Programa para os Trabalhos das Novas Gerações (Campo das Letras, 2007)

2 - A imaginação fecunda dos gestores do sistema já conseguiu mesmo, prosseguindo a estratégia de desmantelamento do Estado-Providência, reprivatizar nalguns países o que o processo civilizacional e democratizador tinha tornado funções sociais e públicas, nas áreas da saúde, da segurança, da educação, da justiça. A doença, a dor, o sofrimento, o medo, a morte, a insegurança, a guerra, tudo é transaccionado e transaccionável. A fúria privatizadora de serviços de interesse geral atinge os transportes, o fornecimento de água e de electricidade, os correios, as cadeias, ou até as instituições educativas e militares; nada escapa a essa sanha que mesmo organismos internacionais, como o FMI, incentivam. Deste modo, corre-se o risco de retroceder à Idade Média e à venalidade dos cargos públicos, à desintegração do Estado em micro-poderes de tipo feudal, fomentadores de irracionalidade e de arbítrio .

terça-feira, 8 de junho de 2010

1984, de Georges Orwell

Carlos Loures

Nineteen Eighty-Four, de George Orwell, teve a sua primeira edição em 8 de Junho de 1949, faz hoje 61 anos. Reproduz-se a capa dessa edição da Secker and Warburg, de Londres. O livro surgiu numa Inglaterra que sangrava ainda das feridas da Segunda Guerra. O romance marcou indelevelmente a literatura do século XX e descreve o quotidiano de um regime totalitário, mostrando como uma sociedade oligárquica e repressivamente colectivista pode destruir quem a ela se oponha. Orwell narra com brilhantismo  um futuro de pesadelo baseado nos absurdos do presente. Escrito em 1948, diz-se que por pressão dos editores, os dois últimos dígitos foram invertidos, dando lugar a 1984.


A história é contada por Winston Smith, um homem insignificante, funcionário do Ministério da Verdade, que executa a tarefa de refazer diariamente a história do regime através da falsificação de documentos públicos e da literatura a fim de que o Partido e o governo do «Grande Irmão» estejam sempre certos e tenham sempre razão. Os problemas de Winston começam quando começa a questionar a opressão que o Partido exerce  sobre os cidadãos. Pensar de modo diferente, era cometer crimideia (crime cometido em pensamento, segundo a novilíngua) e quem incorresse nesse crime era preso pela Polícia do Pensamento. Rapidamente, desaparecia, era vaporizado. como se nunca tivesse existido.

Obviamente inspirado na opressão dos regimes totalitários que, naquele final dos anos 40 ainda estava bem presente na memória de todos, o romance de Orwell critica o fascismo e o estalinismo, mas também todo e qualquer processo de controlo do indivíduo em nome dos supremos interesses da sociedade. Mas houve quem visse no romance o que queria ver, sendo considerado por muitos, quando da sua publicação, uma crítica ao socialismo e ao Partido Trabalhista. Numa carta escrita meses antes da morte, Orwell esclareceu que era um socialista convicto (combatera pela República, na Guerra Civil de Espanha, sendo ferido). Avisava que o totalitarismo, venha de onde vier, da direita ou da esquerda, «se não for combatido, pode triunfar em qualquer sitio». No ensaio Why I Write (Por que escrevo), auto-designou-se como «socialista-democrático».

Muitas das palavras inventadas por Orwell perduram ainda seis décadas depois - big brother, duplipensar, novilíngua, por exemplo, são expressões usadas por pessoas que nunca leram o romance. Orwelliano" é  um termo usado comummente para referir invasões da privacidade e de usurpação dos direitos dos cidadãos ocorridas na vida real ou na ficção.

1984 é, sem dúvida, uma das obras mais marcantes e impressivas do século XX.